Crítica: Heartstopper - Temporada 3
Séries

Crítica: Heartstopper – Temporada 3

Ficha técnica – Heartstopper – Temporada 3
Criação: Alice Oseman 
Nacionalidade e Lançamento: Reino Unido, 2024
Elenco: Kit Connor, Joe Locke, William Gao, Yasmin Finney, Tobey Donovan, Corinna Brown, Kizzy Edgell.
Sinopse: Os adolescentes Charlie e Nick descobriram que sua amizade improvável pode ser algo mais enquanto exploram a escola e o amor jovem. Agora, o relacionamento vai enfrentar mais alguns obstáculos.

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Estreou na Netflix no último dia 03, a terceira temporada de “Heartstopper”, a comédia romântica dramática adaptada dos quadrinhos da autora Alice Oseman, também responsável pelo roteiro da adaptação televisiva. A direção ficou nas mãos de Andy Newbery, que segue o mesmo tom e tempero das temporadas anteriores, mas com alguns deslizes consideráveis. Um salto importante, e que foi citado na crítica da temporada anterior, é a postura mais dramática e até madura para um folhetim infantojuvenil, que surpreende com a sensibilidade em trabalhar temas complexos e relativamente angustiantes.

Ainda acompanhamos o relacionamento de Nick Nelson (Kit Connor) e Charlie Spring (Joe Locke), só que com uma postura mais adulta – comparado com antes – e com o  desenvolvimento no mesmo ritmo, sem altos e baixos e a cumplicidade de sempre, que continua bonito de ver. É fato que o transtorno alimentar de Charlie é um dos pontos mais bem desenvolvidos, embora seja um pouco corrido – que é uma decisão compreensível, já que algumas representações pesariam o clima – e mesmo com isso, ainda é bem-feito quando aposta em flashbacks para reforçar alguns pontos. Nos momentos de ausência de Charlie, conseguimos saber um pouco mais de Nick, suas inseguranças e falsas fortalezas ficam mais evidentes, ajudando o personagem a se abrir consigo mesmo, seus amigos e consequentemente com o público.

Nos episódios do meio, há momentos tão singelos que os olhos ficam marejados, é difícil resistir  — ou eu estava muito sensível no dia que assisti, o que na verdade não interessa tanto, pois o que vale é a emoção que me abateu. Uma curiosidade, é que o transtorno alimentar, que é a base central de toda a temporada, da internação a recuperação, é tratado pelo viés comportamental, mas com resquícios de saúde pública – o que é um alívio – por conta do NHS, o SUS dos britânicos. Isso se diferencia das representações de transtornos em séries e filmes estadunidenses, que sempre são deprimentes. Um ponto muito interessante, é a introdução do tratamento de Charlie com cenas da recuperação, recaídas e a terapia como forma de manutenção do bem-estar.

Os amigos de Charlie e Nick ganham mais espaço, com destaque para o casal Elle (Yasmin Finney) e Tao (William Gao), que parecem ser os mais maduros de todo o grupo, reservando uma boa cena em que Elle se abre sobre ser uma mulher trans. Ainda marcam boa presença Isaac (Tobie Donovan), com o desenvolvimento mais elaborado da assexualidade, a imã de Charlie, Tori Spring (Jenny Walser), que ganha um dos diálogos mais lindos da temporada e o relacionamento lésbico de Tara (Corinna Brown) e Darcy (Kizzy Edgell), que evolui para a descoberta da não-binaridade de Darcy, tocando mais a fundo nas identidades de gênero. Nem sempre é fácil simpatizar com Nick e Charlie, as vezes os dilemas parecem extremamente infantis, gerando afastamento, mas em seguida somos arrastados de volta pela fofura, logo, o tempo de desenvolvimento dos relacionamentos dos amigos vem com alegria.

Uma sensação que não apareceu nas temporadas anteriores, mas que aparece dessa vez, é a falta de sintonia entre os personagens nos primeiros episódios. O roteiro parecia truncado e a direção que agora é de Andy Newbery, levou mais tempo para encontrar o tom estabelecido por Euros Lyn, o responsável pelas temporadas passadas. Outro ponto que pouco ajuda são os episódios mais longos que o necessário, mesmo com apenas 35 minutos em média. Parece haver algo sobrando e minha suspeita paira sobre as festinhas e momentos de amizade, que apesar de ser um recurso para mostrar companheirismo ou comunicar incômodo e ansiedade, se gasta tempo demais sem uma função narrativa clara. Faltou dinamismo nos episódios, alguns são repetitivos e enfadonhos, o que é curioso, pois a repetição não é sobre os temas abordados que são muito interessantes e importantes, mas em assuntos deslocados.

Infelizmente Olivia Colman não aparece, ela é uma presença, mas não a vemos de corpo presente filmado. Essa é uma decisão que simplesmente não é mencionada e que causa estranheza, já que sumiram com a mãe do Nick exatamente quando ele precisava ter uma boa conversa com ela. Pelo menos, para compensar, substituíram a adulta sábia e acolhedora pela tia Diane (Hayley Atwell), que cumpre a mesma função da mãe, só que como tia do Nick. Ela também ajuda o sobrinho a lidar com o transtorno de Charlie, pois curiosamente ela é psiquiatra. Uma decisão interessante, é que aproveitaram ausência de Charlie para apresentar e desenvolver outras questões muito marcantes para a adolescência: ansiedade, apaixonamento pegajoso, primeira transa e questões corporais bem pontuadas, que sempre veem de forma divertida e relativamente elaborada.

Um traço característico de “Heartstopper”, são as animações de flores, brilhos e corações que aparecem em torno dos personagens, mas dessa vez, o potencial de fofura desarranjou o encantamento. Difícil dizer com exatidão se foi falta de timing ou simplesmente falta de oportunidade, mas as animações parecem deslocadas, além de serem muito infantis para problemas de adolescentes caminhando para a vida adulta. Não é que os complementos gráficos sejam ruins, mas a identidade gráfica precisa avançar para alguma outra coisa e equalizar os dramas desenvolvidos com o crescimento dos personagens. Ainda tem charme e rende suspiros, mas fica distante do aconchego de antes.

Em linhas gerais, “Heartstopper” precisa chegar ao fim, embora eu diga isso não muito feliz. Talvez a série tenha que tomar outros rumos e não sei se esse estilo seria tão interessante para as próximas temporadas. Naturalmente, haverá pontos mais dramáticos a serem colocados em questão — que foram apresentados pela própria série – e paralelamente parece uma escolha difícil e arriscada fazer uma transição para algo diferente de forma brusca. Reconheço que não é tarefa fácil, mas o tom muito infantojuvenil já não combina com a idade dos personagens nem com os dramas apresentados, e eles estão crescendo. Às vezes, fica a sensação de que os pombinhos tomaram corpo próprio e querem sair da caixinha que “Heartstopper” os coloca. Por fim, a pergunta que parece inevitável nesse momento, é se eles vão se desenvolver ou se esse descompasso estético, que parece ter chegado ao limite, se manterá. Ainda existe inspiração e um senso de aventura que é relativamente sólido, mas infelizmente não empolga tanto.

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