Crítica: Heartstopper - temporada 2 - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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Crítica: Heartstopper – temporada 2

Ficha técnica – Heartstopper Temporada 2:
Criação: Alice Oseman
Elenco: Joe Locke, Kit Connor, William Gao, Yasmin Finney, Tobie Donovan, Rhea Norwood, Corinna Brown, Sebastian Croft, Olivia Colman.
Nacionalidade e lançamento: EUA, 2023 (4 de agosto de 2023)
Sinopse: Os adolescentes Charlie e Nick descobrem que sua amizade improvável pode ser algo mais enquanto exploram a escola e o amor jovem.

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Depois do sucesso da primeira temporada, a adaptação da HQ juvenil Heartstopper retornou para a segunda temporada na Netflix. Mantendo o espírito alegre e despretensioso, no segundo ano o foco se concentra nos dramas pessoais e apaixonamentos do casal protagonista e seus amigos, dando ar de novidade e movimento os personagens secundários. Ao mesmo tempo, comunica sobre o assumir-se uma pessoa LGBTQIA+, os enfrentamentos dos preconceitos, os impactos que aparecem quando não há compreensão e aprofunda seus dramas.

Quando a primeira temporada foi lançada, não sabia da existência das HQs e maratonei a série com muita alegria e empolgação. Por ser uma pessoa LGBTQIA+, ver uma história de romance simples, despretensiosa e com uma carga dramática sem grandes impactos é boa surpresa. Lembro que demorei a perceber que não vivo no mundinho Heartstopper. A série cumpriu seu papel de apresentar aos jovens de uma nova geração para quem, apesar do bullying, ainda é possível se apaixonar na adolescência e viver essa paixão. Na minha adolescência, por exemplo, a ideia de viver uma paixão que não fosse heterossexual era impensável, podendo se apaixonar após o fim do ensino médio ou quando ingressasse na faculdade, que foi meu caso – e dependendo da região do país, viver uma paixão LGBTQIA+ ainda é quase impossível.

A escolha da segunda temporada em trabalhar as consequências do romance, e na dificuldade de se assumir, que é o caso do Nick (Kit Connor), foi acertada. Nos três primeiros episódios, esse tema foi martelado mais que o necessário, criando uma repetição do mesmo dilema em cenários diferentes, e não com desafios diferentes. Como o núcleo da série se resume à família e à escola, já que não há segredo entre os amigos, a série gasta tempo demais na indecisão realmente difícil de se assumir para todos. Paralelo a esse conflito, os personagens secundários que pareciam um pouco largados na primeira temporada agora têm mais linhas de diálogo e um pouco mais de personalidade. O que era uma linha, agora são duas. Eles se apaixonam, lidam com a comunicação falha, uma característica de romances de qualquer idade e época, e conseguem, ainda que custe alguma angústia, chegar em boas conclusões.

A história engata quando acontece a viagem a Paris: as novidades e desafios fora do núcleo caseiro se impõem. Inclusive a série retoma seu tom aventuresco e aprofunda as consequências dos traumas de Charlie (Joe Locke). O drama é abraçado com muita cautela e sensibilidade pela autora, inclusive por anunciar a entrada num terreno pantanoso que são os transtornos alimentares, especialmente entre os jovens que são o público-alvo do produto. Apesar de pistas sobre esse desenvolvimento ser colocado, parece que será tratado na próxima temporada que já está confirmada. Esse dilema de Charlie está no quarto volume dos livros, então, aparentemente, haverá espaço para discutir esse assunto com um pouco mais de seriedade.

Há mistura de cenas e assuntos do terceiro e quarto volume dos livros nessa segunda temporada. No intervalo entre as temporadas li as HQs, e logo percebi que esse não era o tipo de conteúdo para minha idade – velho demais para algo tão juvenil –, ainda que seja uma história ‘’universal’’ para pessoas LGBTQIA+. Não há complexidade nas histórias, o que é um mérito e funciona muito melhor na TV do que nos quadrinhos. A escrita nos quadrinhos é juvenil demais. Já na TV, há elementos que ajudam na condução da narrativa e a disfarçar o texto superficial e sem sal. Por outro lado, há um avanço no desenvolvimento da paixão entre Nick e Charlie, ainda que custe algumas crises de ansiedade e angústia, o que soa natural pelo momento que estão vivendo.

Um ponto interessante é que durante várias vezes os protagonistas conseguem conversar sobre as inseguranças, receios e desafios que sentem um pelo outro ou pela situação que estão enfrentando, reforçando o companheirismo entre os eles. Há uma mensagem interessante que a autora e roteirista Alice Oseman aponta, de que não se faz necessário ficar em situações desconfortáveis, e que o diálogo, respeito e entendimento do momento, podem render frutos e conhecimentos sobre os desejos e desconfortos de cada um, com bem exemplificado nas diversas tentativas e recuos de Nick ao se assumir bissexual.

O lugar submisso de Charlie ganha mais contorno, e o coloca como ponto central de ligação entre a realidade e a ficção. Heartstopper ocupou um lugar narrativo de fantasia ficcional por vários momentos na temporada um e que se estende para o ano dois, com a diferença de que agora faz apostas mais arriscadas numa realidade dramática. Durante toda a temporada, Charlie insiste na fantasia do momento perfeito e tenta blindar Nick de qualquer sofrimento, assumindo para si a responsabilidade pelos erros, causalidades e preconceitos. Os impactos são sentidos na sua insegurança, medos e a somatização, como o transtorno alimentar, e aprofunda o debate no final da temporada quando conta sobre os momentos mais pesados do bullying e as consequências.

Ainda que falte desenvolvimento para boa parte do elenco, o casal protagonista ganha mais corpo e identidade. A série até arrisca a dar um entendimento sobre a assexualidade do amigo Isaac (Tobie Donovan), mas é tão preguiçoso que fica representatividade à margem, não desenvolve, apenas mostra. Isso se repete com a maioria dos amigos de Charlie, todos têm um arco dramático, uns melhores, como a Elle (Yasmin Finney), e outros mais fracos, como o próprio Isaac, a amiga Darcy (Kizzy Edgell) e sua namorada Tara (Corinna Brown). Assim como nas HQs, os personagens secundários têm um arco dramático que oscila entre o caricato e preguiçoso, e entre o acurado e capricho.

Há pistas sobre o que esperar da próxima temporada, e pela indicação dos quadrinhos, a carga dramática tende a crescer. É muito satisfatório ver uma série LGBTQIA+ que trata de temas muito comuns a comunidade de forma despretensiosa e sem terríveis acontecimentos. Heartstopper ainda é um abraço carinhoso e aconchegante em adolescentes LGBTQIA+, mantém um nível técnico eficiente e aprofunda os dilemas de seus personagens principais. Para quem está mais crescido, a série parece ter menos correspondência, já que aposta em conflitos superficiais e diálogos simplórios. De todo modo, talvez o abraço para jovens adultos já não seja mais aconchegante como a primeira temporada, o que faz todo sentido, já que as representações de amor mudam com o tempo, e quem sabe, no próximo ano, Heartstopper consiga reestabelecer a fantasia buscando contato com a realidade próxima.

  • Nota
4

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