O Efeito Cidade de Deus - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
Artigo

O Efeito Cidade de Deus

Cidade de Deus tem causado efeito por todo o Mundo desde a sua estréia.

Infelizmente não é todo mundo que gosta de filme nacional. Se desinteressam logo de cara quando se deparam com temáticas de humor novelesco – completamente compreensível – por não concordarem com a exploração de famosos em alta, tentando levar mais público para as salas – o que muitas vezes é um grande tiro no pé – por historicamente terem um apelo sexual grande que incomoda muita gente – os mesmos que batem palma pra tudo que a HBO produz – e em alguns casos como aqui, pelas violentas e marginais cenas em favela – o que muitas vezes choca. O Brasil é estupidamente rico em bons filmes, não é exagero falar isso, temos níveis absurdos de trabalho fílmico que por muitos são desconhecidos, muitas vezes pelo simples e sempre corrosivo: preconceito.

Nosso cenário é vasto, tanto de grandes obras que estão presas no passado – uma vez que pouquíssimas pessoas abordam sua existência – como as corajosas gravações de forma independente – que nunca terão atenção de quem realmente não se propor ir atrás. Se você é aquele ”cinéfilo” que espera ver propaganda na TV pra correr pro Cinema mais próximo… lamento em dizer, mas você não será apresentado a nata do que podemos gerar.

No Brasil, não temos só o saudoso e acalorado José Padilha na Direção assim como também não contamos só com ímpar Wagner Moura para nossos protagonistas. Temos Diretores competentes trazendo um misto do que vem funcionando lá fora sem deixar o tempero brasileiro, trabalham e criam longas com assinatura e paixão, experimentando, fora os atores que a cada safra nos deparamos com mais e mais profissionais de peso, alguns até – pasmem – vivendo só de Cinema e Teatro, sem ter que ficar presos as cobiçadas – e bem pagas – novelas.

Talvez não tenhamos tanto prestígio por parte dos Roteiristas como nossos vizinhos Argentinos, porém se você conhece algum desses nomes: Luis Bolognesi, Fernando Bonassi, Adriana Falcão, Kleber Mendonça Filho, Marçal Aquino, Marcos Bernstein, Anna Muylaert, Jorge Furtado, Fernando Coimbra e o abismal Bráulio Mantovani, já pode ter uma noção de que se falta alguma coisa para nivelar, é bem pouco.

Desde grandes fotografias inspiradoras lá fora como do próprio Cesar Charlone – já falarei dele – até Montadores como o próprio Daniel Rezende, muito cobiçado pelos gringos – também, já falo dele – musicalmente temos dezenas de ótimos músicos, como o criativo, enérgico e vulgar André Abujamra, que trilhou mais de 50 longas e peças. Profissionais gabaritadíssimas que dão aula lá fora, isso desde sempre, o nosso querido Zé do Caixão tem um prestígio absurdo por parte dos gringos enquanto aqui, se tornou piada na mão de quem não conhece verdadeiramente suas técnicas, gambiarras e esforço. Vemos muito disso também em cima do cinema genial do nosso Mazzaropi, onde só ganha adjetivos caipiras. Para mais informações e discussões sobre nosso cenário, este meu primeiro artigo pelo Cinem(Ação) é uma boa pedida.

Mas venho por meio deste, trazer um nome colossal em nosso Cinema:

CIDADE DE DEUS

Não existe um aspecto técnico que este filme não se destaque. Simplesmente não há. Estamos aqui falando de um filme verde e amarelo Indicado a 4 estatuetas do tão aclamado Oscar, onde até hoje, ainda nenhum brasileiro conseguiu colocar as mãos em umas dessas jóias, mas foi com Cidade de Deus que chegamos com os dois pés na porta da Academia.

Temos aqui dezenas de personagens, todos muito bem trabalhados e marcantes, e muitos destes nem se quer eram atores. Sim, pois é, um filme com sua grande maioria de personagens com ”não atores” retirados da própria comunidade onde ocorriam as gravações. Um trabalho mais do que espetacular da – não tão bem vista por muitos – Fátima Toledo, onde sempre conseguiu extrair o melhor de cada um que ousou trabalhar.

Fernando Meirelles se tornou um Titã por aqui, e com isso começou a sua carreira no exterior. Com uma direção mágica, com detalhes visuais que contam a história com uma profundidade estratosférica, concorreu como Melhor Diretor contra Peter Jackason com O Senhor dos Anéis. Mudando assim muito como o mundo via nossas obras e instigou a outros tantos bons Diretores daqui a também evoluir sua forma de rodar.

Em uma outra Indicação, tivemos Bráulio Mantovani concorrendo pelo trabalhoso Roteiro Adaptado da obra prima de Paulo Lins, enfrentando Sobre Meninos e Lobos, obra adaptada de um livro do autor Dennis Lehane e perdendo para a adaptação do inesquecível e complexo J. R. R. Tolkien, com o filme que levou tudo aquele ano, O Senhor dos Anéis.

Citei Cesar Charlone ali em cima, e pela primeira vez na história, um filme nosso concorreria a esta guerra que é a categoria de Melhor Fotografia. Charlone dá uma aula de enquadramento e uso de filtros como forma de ajudar a contar esta história, chegando a se mesclar com o que os personagens se envolviam, se tornando mais íntima, desengonçada, distante ou até mesmo reclusa, tudo por conta do que cada personagem usava de drogas ou estava passando no momento. Incrível. Uma pena ter perdido para o Mestre dos Mares.

A última Indicação não é nem de longe a menos importante, vem pelas mãos – sem calo algum  na época – de Daniel Rezende, hoje o aclamado Diretor de Bingo: O Rei das Manhãs, cheio de trabalhos de montagens enormes nas costas, como Tropa de Elite 1 2,  Ensaio Sobre a Cegueira, Robocop, Diários de Motocicletas Árvore da Vida, mas naquela época só tinha editado alguns comerciais pra TV, era a segunda opção de Meirelles para editar este filme e acabou montando algo primoroso e explodindo cabeças por aí. Sua edição videoclíptica tem textura, sabor e impregna na sua memória. Graças ao seu trabalho o tom do filme não se perde na proposta, mesmo com tantas viradas, personagens e situações. E assim como a Fotografia, ele também tem todo uma intimidade com o que o personagem esta passando ou usando, no caso dando velocidade para cenas de uso de cocaína e desacelerando no uso de maconha. Time perfeito ditando um ritmo como poucos.

Alguns anos antes tivemos Central do Brasil sendo Indicado a Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Atriz com a Fernanda Montenegro, e isso foi um degrau para Cidade de Deus chegar com tamanha força na Academia. Muitos filmes hoje, que todo mundo ama como Tropa de Elite ou 2 Coelhos, talvez nunca existissem se não fosse Cidade de Deus. 

A questão é:

Cidade de Deus inspirou apenas os brasileiros??

E a resposta óbvia é:

NÃO!!

Temos aqui uma pequena lista de pessoas inspiradas por esta Obra-prima. Lembrando que estes vieram a público ressaltar que beberam desta fonte, outros tantos nunca saberemos. Estamos falando então do EFEITO CIDADE DE DEUS e em quem ela atingiu.

Quentin Tarantino

Todo mundo sabe que Tarantino é um obcecado por filmes, isso é óbvio, mas que ele é um grande fã de Cidade de Deus, nem todos seus próprios fãs sabiam. Quentin Tarantino é um entusiasta da sétima arte, um nerdão amante de todo e qualquer tipo de filme. Sempre fez homenagens a tudo que ama, costurando cenas e mais cenas com um incrível enredo e a sua arte magnânima de criar inesquecíveis diálogos.

O Diretor sempre fora um apaixonado por pés, cenas violentas e línguas. Diz o mesmo que em 1992 começou a aprender a difícil língua portuguesa, mas acabou desistindo por tamanha complexidade, se conformou com o inglês, italiano, francês, alemão e japonês. Tarantino, que já fora dos Estúdios Miramax assim como Cidade de Deus, tem uma grande admiração pelo longa. Diz ele ser um filme completo e marcante.

Além de Cidade de Deus, Quentin Tarantino tem um apreço muito grande por Pixote, outro filme nacional com uma grande proposta, cenas marcantes e que todo mundo deveria assistir. Ambos com o ”Tarantino’s Style”, bons diálogos e uma dedicação a violência.

Michael B. Jordan

Pantera Negra tomou os Cinemas e os corações por todo o mundo, isso é inegável, mas talvez ele não fosse o mesmo sem Cidade de Deus. Um dos pontos fortes do filme, o vilão Killmonger interpretado pelo talentosíssimo Michael B. Jordan, tem como um de seus filmes favoritos da ”vida”, este nosso longa e diz ele ter trabalhado muito em cima do Zé Pequeno.

Michael B. Jordan é um jovem ator conhecido por fazer grandes papéis, fortes e inspiradores, mas que sempre que pode, ”mexe” em seus personagens. Sim, nas filmagens de Creed por exemplo, ele chegava no Stallone sempre antes de cada cena mostrando algumas ideias que rabiscou enquanto lia o roteiro, desde falas a ações distintas da planejada e pedia pra grava-las.

Em suas palavras, ele destaca o impacto que o Cidade de Deus teve sobre ele e a magia com os seus personagens frutos do gueto, que apenas de quem vem de lá sabe como é. Este é o tipo de filme que muda trajetos, instiga e alimenta, uma grande fonte de inspiração para tudo que ele faz.

Childish Gambino

Eu duvido muito que com a velocidade da internet, mesmo que você nunca tenha ouvido falar em Childish Gambino, não saiba quem ele é hoje. Tem um clipe dele explodindo nesta última semana ”This Is American”, com uma pegada muito forte e cheia de mensagens da forma mais bela que o Cinema poderia conceber. Planos sequências, misancene, expressões faciais e um turbilhão de coisas acontecendo com suas metáforas.

Não vou me apegar em falar sobre o Clipe, temos centenas de vídeos e artigos pela internet fazendo isso. A questão que Childish Gambino é o nome artístico de Donlad Glover, ator, diretor, roteirista, rapper… dono de uma mente criativa e de um dom sem igual. Sem medir palavras, Glover trabalhou muito em sua carreira para chegar onde chegou e não vai parar por aqui, depois deste espetacular clipe, ele só vai subir e subir.

A questão é que Glover contou com o trabalho perfeito do japonês Hiro Murai – Diretor do clipe – onde juntos, desenvolveram tamanha peça para que cada mensagem fosse transmitida, sentida e discutida por tanta gente do outro lado da telinha. Hiro veio a público com tamanha repercussão positiva do trabalho da dupla, e disse que parte da montagem foi em cima do universo criado em Cidade de Deus. Até hoje causando muitos efeitos por tamanho nome que se transformou.

Em breve verão mais de Glover atuando no próximo prequel de Star Wars: Han Solo, e com tamanha fama agora, já já terão mais parcerias musicais e quem sabe fílmicas com o oriental Murai.

 

Este é um pouco do ”efeito” que tem este filme.

 

Devíamos ter um pouco mais de apresso por nossos trabalhos, até por serem de tamanho esforço em um cenário de tão pouco investimento dos nossos governantes – talvez não vejam potencial lucrativo neste mercado – e quase nenhuma confiança por parte do público – por simples preconceito.

Se você gosta tanto do que vem de fora, perceba que eles historicamente bebem de nossas fontes. Desde ”Coffin Joe” até hoje.

Deixe seu comentário