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Crítica: Duna: Parte 2

Ficha Técnica – Duna: Parte 2
Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Denis Villeneuve, Jon Spaihts
Elenco: Timothée Chalamet, Zendaya, Rebecca Ferguson, Javier Bardem, Josh Brolin, Austin Butler, Florence Pugh, Dave Bautista, Christopher Walken, Léa Seydoux, Stellan Skarsgård.
Sinopse: Paul Atreides (Timothée Chalamet) se une a Chani (Zendaya) e aos Fremen enquanto busca vingança contra os conspiradores que destruíram sua família. Uma jornada espiritual, mística e marcial se inicia. Para se tornar Muad’Dib, enquanto tenta prevenir o futuro horrível, mas inevitável que ele testemunhou, Paul Atreides vê uma Guerra Santa em seu nome, espalhando-se por todo o universo conhecido.

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Se em Duna (2021), Villeneuve tem dificuldade de captar e manter o interesse do público no seu prólogo predominantemente sem alma com ritmo a conta-gotas, em Duna 2 (2024) o diretor preenche as lacunas do seu antecessor e embora eu ainda ache que tem questões a melhorar em termos de ritmo, é inegável que é mais bem-sucedido em empolgar com mais cenas de ação, maior aprofundamento na dinâmica dos personagens, inserção de novos e interessantes rostos nesse conflito e, o principal, maior foco na verdadeira alma da história: o fundamentalismo religioso.

Para tirar o elefante da sala, não, eu não li o livro de Frank Herbert. Contudo, como eu mencionei na crítica de Duna (2021), a análise de uma obra cinematográfica independe da análise da obra literária. Comecemos esta crítica por esse princípio básico: adaptações não nascem em débito com o livro, como muitos chegam a pensar. Ou seja, embora compreenda que os fãs do material original sempre busquem na representação que veem na sala de cinema o máximo de semelhança, a bem verdade é que fica a critério do diretor, nesse caso de Denis Villeneuve, seguir o que quiser seguir a partir do material base, com a ciência de que escolhas devem ser feitas e de que, por mais que tente, livro nunca vai ser filme. E vice-versa.

Dito isso, não desenvolvo ao longo deste texto nenhum pensamento acerca de uma possível fidelidade do filme à obra literária ou não – e nem acho que deveria. O melhor de Duna 2 é que diferentemente do primeiro filme, tudo que vemos é facilmente compreendido sem o conhecimento do material original e, ao mesmo tempo, sem cair em um possível excesso de diálogos expositivos. Certas explicações ainda se fazem repetitivas, acredito, mas nem de longe isso se apresenta como um incômodo. A julgar pelo público que conhece história apenas pelas salas de cinema, o roteiro de Duna 2 consegue economizar bastante nesse aspecto e Villeneuve acerta em deixar seus personagens bem mais livres para comunicarem seus dilemas e objetivos através da forma como decidiu filmá-los, o que é objetivamente parte da magia do cinema.

Para isso, o diretor se utiliza daquilo que sabe fazer de melhor: construir escalas. Se tem algo que eu admiro sobre o cinema de diretor canadense é como ele usa o espaço para maximizar conflitos e provocar sensações que apenas uma arte com base em imagens poderia provocar. A pequenez dos personagens diante da vastidão do deserto e das máquinas, o teste de fogo do protagonista na hora de domar o enorme verme, o anfiteatro esplendoroso que vibra a matança em paredes impossíveis de mensurar altura. Todos espetáculos grandiosos que podem por bem resumir Duna em um épico do contraste entre a grandeza predominante dos cenários (opulência e poder) e a pequenez que reduz seres humanos ao que existe de mais mesquinho (fundamentalismo religioso, vingança e ambição).

Das Cruzadas à guerra na faixa de Gaza, a história de Frank Herbert tem muito o quê conversar com a forma como encaramos nossos messias. A profecia de Lisan Al-Gaib é muito atraente e guarda semelhanças não apenas com a chegada de Jesus e sua relação com os romanos, como de todos os Messias e falsos messias que nosso mundo já viu. Em qualquer momento da história do Cinema de ficção-científica sobre como mesmo daqui milhares de anos ainda continuaremos seres essencialmente fanáticos e no aguardo de nossa salvação viriam a calhar, mas hoje acredito que Villeneuve compreende o consumo contemporâneo da sétima arte (da sede por uma espécie de drama mais realista e vocal no aspecto político a uma saturação específica de cores) o suficiente para fazer de Duna uma franquia memorável que irá além de um mero sucesso comercial momentâneo.

Nesse ínterim, a direção de arte do filme é impecável em criar toda uma cultura perpetrada por simbolismos religiosos, agregando referências de culturas diversas do nosso mundo, a fim de consolidar uma identidade visual “dunesca” no imaginário dos espectadores. A escolha do casting cheio de estrelas do momento, a trilha sonora épica de Hans Zimmer e a paleta de cores da fotografia, são outros aspectos que também contribuem para o nascimento de um universo inteiramente novo. Isto é algo que franquias como Star Wars e Senhor dos Anéis também fizeram muito bem, o que me fez achar ainda mais que estamos caminhando em direção a um novo marco no Cinema do gênero.

Na imagem de Muad’Dib em Duna 2, por exemplo, a sombra de um Darth Vader já está bem desenhada e isso é algo que reforça duas coisas: a influência do material de Frank Herbert no cinema e a influência do próprio Star Wars em Duna. Uma retroalimentação de referências cinematográficas e literárias que contribuem para o nascimento de algo singular, lapidado diversas vezes na história do cinema seguindo sempre uma narrativa atraente que figura uma remissão ao cinema clássico e às tragédias gregas. A mais-que-famosa, adorada por todos, a jornada do herói.

Como mencionei, ainda tenho problemas com o ritmo do segundo filme, que pouco tem relação com a duração em si (2 horas e 46 minutos) e mais com a forma como Villeneuve decidiu separar a primeira e a segunda parte dessa história. Sinto que pelo menos o primeiro terço desse segundo filme caberia facilmente no prólogo, o que poderia não apenas tornar o primeiro filme mais interessante como o segundo menos exaustivo. Esteticamente, a cena em preto e branco não me pareceu funcionar tão bem, também. O artificialismo do momento é admirável dada a sede pelo realismo no cinema recente (e que Duna conserva até certo ponto), mas o filtro pessoalmente me pareceu desagradável e no fundo parece emular o cinema de nomes como Zack Snyder (de uma forma não muito positiva, essa é a questão).

Outro ponto que me incomoda no filme é a atuação do casal Chani e Paul, interpretados por Zendaya e Chalamet. Guardo admiração pelo trabalho de Zendaya desde Euphoria (2019) e Malcolm & Marie (2021), mas em Duna 2 sua personagem Chani parece que fica reduzida ao mero franzir de testa. Enquanto Chalamet, ator que passei a admirar mais depois de Wonka (2023), por outro lado não me convence como herói de um povo. Sua grande cena diante dos Fremen até ajuda a formar uma personalidade mais efusiva, mas não me provocou em quase nada, assim como em outros momentos do filme (a batalha entre Paul e Feyd que é antecedida de um momento anticlimático entre o casal sem química), algo que me deixa em dúvida se faz parte das escolhas de direção ou da atuação de fato. Uma tarefa que agora vai ficar para uma futura revisão.

Por último, a entrada de Florence Pugh e o maior destaque a Rebecca Ferguson me empolga bem mais que quaisquer outros personagens. Desde o primeiro momento, ambas são retratadas como personagens complexas que depositam nas suas crenças e objetivos tudo de si. Me vejo muito empolgada para uma continuação, algo que por si só já aponta para a confirmação de todos os aspectos que apresentei ao longo deste texto: Duna 2 é mesmo bem mais interessante que o seu antecessor. Tão mais interessante que quase nos faz esquecer da importância tremenda que foi dada à obra literária quando na ocasião do lançamento do primeiro filme, a fim de justificar a fraqueza imensurável da obra de 2021.

Aqui os fãs já não precisam lutar contra a maré para justificar o que para mim parece ser injustificável, Dennis Villeneuve percebe seus pontos fortes e decide trabalhá-los com maior afinco na construção da sua continuação. Seja por meio das escalas, do casting estelar, do design de produção impecável ou da trilha sonora de tremer paredes, Duna de 2024 se consolida como um dos filmes mais importantes do cinema contemporâneo justamente por compreender e investir na fórmula que hoje parece certeira em atrair as pessoas de volta ao ambiente do cinema.

Reforço não acreditar que seja o filme mais inovador da história ou que funcione como uma espécie de reset das ficções-científicas no Cinema, contudo tenho certeza de que não deve passar batido e que seus signos nesse cenário de pós-dominação da Marvel, são interessantes e bem construídos o suficiente para serem lembrados. É sempre bom ver um filme que parece ter apreço pela arte e utiliza tudo que tem ao seu alcance para dar vida a um ambiente fantástico, lembrando que é nessa arte onde tudo parece ser possível, e nesse sentido, Duna 2 é, sim, um ótimo exemplo.

  • Nota
3.5

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