Crítica: Grande Sertão - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
3 Claquetes

Crítica: Grande Sertão

Grande Sertão – Ficha técnica:
Direção: Guel Arraes
Roteiro: Guel Arraes, Jorge Furtado
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 2024
Sinopse: Em uma grande comunidade da periferia brasileira chamada “Grande Sertão”, onde uma luta entre policiais e bandidos assume ares de guerra, Riobaldo entra para o crime por amor a Diadorim, mas nunca tem a coragem de revelar sua paixão.
Elenco: Luisa Arraes, Caio Blat, Rodrigo Lombardi, Mariana Nunes, Eduardo Sterblitch.

.

“Porque aprender-a-viver é que é o viver, mesmo”, diz o Riobaldo de Caio Blat nesta adaptação urbana futurística-mas-nem-tanto do clássico “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa. É claro que a frase que eu tenho tatuada no braço entra no rol de encantamentos do filme de Guel Arraes, junto com outras tantas escolhas artísticas que mais evocam a obra original do que criam algo igualmente impactante.

Confesso ter me lembrado da adaptação que Baz Luhrman fez de Romeu e Julieta, mantendo o texto original em um ambiente estilizado. Há muito de teatral na proposta de Guel Arraes, mas nada muito longe do que ele já fez em O Auto da Compadecida.

E já que a proposta de cenário cria uma espécie de favela vertical cercada por muros em um sertão imaginário, é uma pena que o filme tenha tantos close-ups com baixa profundidade de campo, que não nos permitem ver esse cenário. E como há momentos em que podemos vê-lo em cenas abertas, creio que o orçamento não sirva de justificativa para essa escolha.

Há um ritmo acelerado em Grande Sertão que combina com o ambiente urbano, a guerra entre facções criminosas e polícia, mas não combina com a obra original, que respira os sentimentos a seu tempo. Além disso, a primeira metade do filme muitas vezes ultrapassa a linha da edição acelerada para a narrativa apressada.

As cenas intercaladas de Riobaldo mais velho, contando a história, permitem uma adaptação mais “fiel” do livro: citações diretas de Guimarães Rosa é o que não faltam. Mas também não faltam diálogos excessivos, ditos em meio a tiroteios, com o som sempre ecoando, como se víssemos essa história como uma projeção longínqua da memória de Riobaldo – e se não foi algo intencional, o resultado permite essa interpretação.

Caio Blat, Luisa Arraes, Luís Miranda e Eduardo Sterblitch conseguem colocar na tela seus talentos, especialmente porque a estética teatral e o texto calcado na obra original permitem justamente essa expansividade.

Mas Grande Sertão parece ficar num meio termo que não favorece tanto. Sem abraçar por completo o futurismo imaginativo surreal, essa adaptação que mira algo meio “Mad Max brasileiro” tem momentos em que se preocupa demais em comentar questões sociais: a morte de crianças vítimas da guerra urbana, a violência do opressor e a reação do oprimido, assim como as questões mais filosóficas da obra de Guimarães Rosa: “o diabo vige dentro da gente”. Que bom: todo filme é sempre aquele produto de seu tempo, de fato, ainda que esses comentários possam acenar ao espectador com um “ei, não mergulhe tanto, deixe eu te puxar um pouco para essa superfície e te lembrar que isso é uma alegoria”.

O que nos resta, ao final da projeção, é uma experiência que remexe no que temos de mais brasileiro em nossa literatura e mistura com escolhas audiovisuais tão brasileiro quanto ousadas. Mas se Guimarães Rosa também ousou em sua linguagem, por que Arraes não poderia fazer o mesmo? Se as veredas do livro não formam uma leitura fácil, talvez seja proposital que o filme traga estranhamentos.

O gosto que sentimos ao final pode não agradar a todos, mas pelo menos não é mais do mesmo. Se as vozes de Grande Sertão vão ecoar para além dos muros do cenário, só o tempo dirá.

  • Not
3.5

Deixe seu comentário