Crítica: Os Rejeitados - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
4 Claquetes

Crítica: Os Rejeitados

Os Rejeitados
Direção: Alexander Payne
Roteiro: David Hemingson
Elenco: Paul Giamatti, Da’Vine Joy Randolph, Dominic Sessa ,Carrie Preston, Brady Hepner, Ian Dolley, Jim Kaplan, Michael Provost.
Sinopse: Um professor mal-humorado é forçado a permanecer no campus para cuidar do grupo de alunos que não tem para onde ir durante as férias de Natal. Ele acaba criando um vínculo improvável com um deles e com a cozinheira-chefe da escola.

.

A nostalgia por si só não funciona mais. Quantos filmes (e séries) nos últimos 15 anos que se apropriaram de estética, estilo ou gênero de peças cinematográficas dos anos 80 ou 90? São inúmeros. O que mais me salta a cabeça no momento é o descarado “Anos 90”, que utiliza de uma moldura tanto plástica quanto temática quase idêntica aos filmes dos anos (sim, você acertou) 90. O problema do filme de Jonah Hill é que ele faz grande uso dessa aparelhagem saudosista, mas aparentemente não tem nada de novo a falar, absolutamente nada a ser acrescentado e que possa servir como conteúdo conveniente a embalagem. A homenagem vira uma paródia.

Felizmente, esse não é o caso de “Os Rejeitados”.

O novo filme de Alexander Payne – diretor recém-saído de um fracasso crítico e de bilheteria com “Downsizing” – bate continência para a década de 70 desde seu primeiro segundo, quando as introduções dos estúdios que financiaram o longa são forçosamente apresentadas de modo retrô, clássico. Logo em seguida, vemos que “Os Rejeitados” também faz uso da granulação dos filmes daquela época (apesar de ser totalmente filmado em digital), e até tem todo aquele tremelique analógico nas fontes de texto quando os letreiros de crédito passam pela tela. A atmosfera é totalmente fabricada. E funciona muito bem não só pela sagacidade da ilusão setentista, mas também pelo tamanho coração e emoção sincera que o filme honestamente recupera da Hollywood dos anos 70.

Comumente relembrada por muitos como a melhor década do cinema norte-americano, os anos 1970 surgiram como um alívio após muitos problemas que a indústria sofreu desde 1950 até meados dos 60. A reinvenção da arte no país por nomes como Martin Scorsese, Coppola, Robert Altman, Carpenter, Mike Nichols e Hal Ashby catapultaram para níveis ainda maiores a influência de Hollywood no cinema mundial.

Este último, Hal Ashby, é particularmente importante para o texto de hoje. Usando da audácia setentista e da aparente liberdade dos estúdios dessa época, Ashby foi um dos vários casos de distinta personalidade que até hoje servem como grande influência no cinema autoral. Enquanto alguns usavam de cinismo e obscuridade para retratar o presente, Ashby foi ao caminho contrário mostrando o que havia de diferente, particular, intrincado, excêntrico com a mais completa honestidade e sinceridade doce e sutil. Filmes como “Harold and Maude”, talvez seu magnum opus, revelam muito bem a autenticidade do diretor com respeito a assuntos complicados daquela nova juventude que estava chegando (aí sim mais cínica e com medo do real) e da ressaca que a geração passada estava passando pós-Woodstock e no final da guerra do Vietnã.

Talvez em uma consciente homenagem aos filmes de Ashby, “Os Rejeitados” emprega exatamente os mesmos sentimentos e os embala com uma estética nostálgica também muito similar agora em 2023. Um combo avassalador.

A nova produção de Alexander Payne seria uma comédia de amadurecimento – uma tradução pouco mal feita do querido coming-of-age movie – bem normal se não fosse ambientada e detalhadamente rebuscada com fragmentos de uma sinceríssima complacência moral e com um charme irresistível que certamente captaria qualquer um que é apaixonado por cinema. Seja você aquele que repara no granulado e na fotografia (belíssima aqui em Os Rejeitados, por sinal), ou seja você um amante de histórias simples mas calorosas. Este filme tem tudo isso.

Se passando nos últimos anos da década de 70, “Os Rejeitados” nos joga pra dentro de um internato bem nas férias de Natal. O lugar é repleto de pessoas ignorantes e toscas. E o nosso protagonista é uma delas. Um ex-aluno de Harvard fracassado, formado em História, que dá aula para jovens do ensino médio em uma escola elitista do leste americano. Além de fracassado, o personagem protagonizado pelo carismático (e brilhante) Paul Giamatti, tem um arco narrativo um tanto comum. É aquele tipo de professor que no fundo guarda alguns segredos e aos poucos se revela para um pupilo talvez genial que precisa de aconselhamento. Mas apesar desse tanto de clichês, a história ganha seus círculos de genialidade quando a mistura de Giamatti com o jovem estreante nas telonas Dominic Sessa (que interpreta o pupilo) e a querida cozinheira escolar vivida por Da’Vine Randolph se mostra ser de uma interessantíssima química, que vagarosamente resulta em uma relação de completa lisura e cumplicidade.

O drama do filme não é exatamente uma novidade, não é algo lá muito original, mas o modo com que o roteiro é trabalhado com certeza é uma raridade no cenário atual. Emprestando um pouco de Ashby em sua concepção, o roteiro de “Os Rejeitados” é pueril em sua essência. E por causa desse charme da simplicidade – combinado com doses de humor já tradicionais de Payne/Giamatti – é que o longa alcança uma qualidade elevada. É por causa do constante lembrete presente no filme de que nem sempre a amargura e o ceticismo vencem a transparência e a intimidade de uma sincera amizade, que “Os Rejeitados” ganha seu lugar como uma das melhores obras do ano. É uma delícia acompanhar as aventuras do elenco e presenciar em primeira mão como as atitudes do protagonista mudam conforme ele se enturma com outros seres tão excêntricos e complexados como ele. A grande mudança e aprendizado do filme vem mesmo a partir desse pressuposto; temos que aprender não somente a viver, mas a conviver. Parafraseando um filme já citado neste texto: “Sinto que grande parte da tristeza do mundo vem de pessoas que são extremamente diferentes, mas que se deixam ser tratadas como iguais”.

Todo esse contexto narrativo – mais uma vez relembrando – embalado com uma estética irreparável, tanto na fotografia (com leves tons de pastel e com exposição suave) quanto na ambientação sonora. Uma trilha que, inclusive, só ajuda na comparação com os filmes de Hal Ashby, reprisando uma famosa canção de Cat Stevens em meio à trama.

“Os Rejeitados” é uma pedida excelente para esse final de ano, tenho absoluta certeza que nenhuma pessoa de coração aberto irá se arrepender de experienciar essa epopéia nostálgica que redescobre a humanidade inerente no ainda mais cético dos seres.

Um também excelente retorno à forma para o diretor Alexander Payne, que retoma temas escolares que tratou em sua melhor obra “Election”, e que mistura elementos da nostalgia não somente dos anos 70 mas também com certos ingredientes ácidos de filmes como Rushmore, de Wes Anderson. “Os Rejeitados” é uma carta de amor à sinceridade em um tempo de ironia. Mas também uma emulação muito bem intencionada de um dos melhores períodos que o cinema já viveu.

  • Nota
4

Deixe seu comentário