Crítica: Avatar: O Caminho da Água
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Crítica: Avatar: O Caminho da Água

Avatar: O Caminho da Água – Ficha técnica:
Direção: James Cameron
Roteiro: James Cameron, Rick Jaffa, Amanda Silver
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 15 de novembro de 2022 (Brasil)
Sinopse: Após formar uma família, Jake Sully e Ney’tiri fazem de tudo para ficarem juntos. No entanto, eles devem sair de casa e explorar as regiões de Pandora quando uma antiga ameaça ressurge, e Jake deve travar uma guerra difícil contra os humanos.
Elenco: Sam Worthington, Zoe Saldana, Sigourney Weaver, Stephan Lang, Kate Winslet.

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Maravilhoso é o filme que divide opiniões e não deixa ninguém (ou quase ninguém) indiferente a ele. Avatar é um desses filmes, que divide crítica e público em uma das mais básicas e antigas questões do Cinema, afinal, o que vale mais: a forma ou o conteúdo? Todas as críticas ao longa de James Cameron, negativas ou positivas, seguem um desses vieses. Quem valoriza mais a importância de um bom roteiro, dirá que a premissa básica do filme não valoriza suas imagens estonteantes e que, durante três horas, a sua técnica inigualável no uso da tecnologia não é o suficiente para criarmos vínculo com a história de Jake Sully e o universo de Pandora e, por isso, o filme seria abaixo da média. Para os mais formalistas, ao contrário, a história pouco ou nada irá importar, especialmente quando as imagens que iremos testemunhar seriam poderosas e inovadoras ao ponto de nos transportar para um universo inteiramente novo, onde o tempo fora deste praticamente não existiria. Para estes, Avatar seria mais que um filme, seria uma revolução cinematográfica.

Confesso que fui ao Cinema esperando muito pouco. À época do primeiro filme, a história de Jake Sully e do povo de Pandora não me cativou. Naquele momento, estive muito mais focada na simplicidade da sua premissa, que me parecia clichê e um tanto preguiçosa, para me ater ao uso inovador da tecnologia, ao detalhismo na criação daquele universo fantástico, à excelência da direção e aos demais aspectos mais técnicos da sua criação. Hoje, percebo que acabei perdendo, assim, o que o longa tinha de mais interessante: sua capacidade de criar uma nova e moderna forma de fazer e de assistir filmes.

Como eu, acredito que muitas pessoas possam ter feito o mesmo, supervalorizado a importância do roteiro no filme, tanto no primeiro como no segundo, se atendo mais à história e as suas tramas do que ao longa como um todo, deixando de perceber a obra também como imagem. No entanto, isso não é inteiramente minha nem mesmo nossa culpa. Acredito que seja uma tendência moderna a necessidade de atribuir à imagem um significado mais profundo, algo além do que ela é em si mesma. Inevitavelmente, voltamo-nos ao roteiro para cumprir com uma outra necessidade moderna que temos, a de enxergar um certo intelectualismo ou mesmo uma relevância social, a todo instante, em toda forma de arte.

Na modernidade, optamos com frequência (às vezes, inclusive, sem nos dar conta) por nos afastar da experiência da arte enquanto arte, no seu sentido mais primitivo, deixando de lado assim os fatores mais emocionais que essa sempre nos despertou. No caso do Cinema, através das imagens. É uma tendência do cinema moderno que o filme tenha algo a dizer além do que estamos vendo, ou que sua história seja muito bem feita, completamente amarrada com arcos bem definidos e uma complexidade maior em seus temas. Basta ver o tanto de conteúdo que surgiu nos últimos anos apontando um filme como ruim ou fraco puramente pelos seus ditos “furos de roteiro”, ou por não evocar importância temática o bastante, às vezes social, a ponto de dialogar com a sociedade.

Não me entenda mal, eu acho que às vezes a cobrança por uma história mais complexa, menos clichê ou com um viés mais social, é sim importante. Especialmente para o momento em que vivemos. Mas isso não deve, em hipótese alguma, superar a importância da nossa relação com a imagem que é construída, pois isso seria, para além de superficial, uma ignorância completa sobre o que de fato constrói o Cinema: suas imagens. Formalmente falando, a linguagem do Cinema é construída pela forma como as imagens são sobrepostas. Seu sentido, sua sintaxe, sua forma de conexão e apresentação para o mundo sempre se pautou em como suas imagens são construídas e sobrepostas, muito mais do que sobre como um texto possui ou não “furos”, se é ou não cheio de bons diálogos.

O que irá dizer, ultimamente, se existe um bom filme, é a forma como sua construção importa na hora de fisgar nossa atenção e nos emocionar. É como este irá reduzir nossa relação com o espaço-tempo e nos atrair para dentro dele de tal forma que seu universo ganha vida e se torna quase palpável. E isso, Avatar: O Caminho da Água é muito bom em fazer. Pois não é fácil manter o espectador (especialmente o do século XXI) fascinado com um mundo completamente díspar e fantástico durante incríveis 180 minutos. É preciso, no mínimo, um domínio total do que está sendo mostrado e isso é, sem dúvidas, do que é feito o Cinema.

A nova história de Jake Sully incorpora uma dezena de novos personagens, iguais ou mais interessantes que este, a começar pela adorável Kiri. A história enigmática da personagem a mantém como um mistério, cuja raiz nem importa porque torcemos por ela praticamente o filme inteiro. Kiri é uma heroína que vemos muito pouco nas telas do Cinema, cuja suposta fragilidade é transformada em uma força inegável. Sua ligação com a natureza remonta à uma espécie de entidade divina, que deixa em aberto uma série de questões que provavelmente serão incríveis de se assistir em um próximo filme.

Junto a ela, o irmão mais velho, Neteyam, possui um dos mais interessantes e emocionantes arcos da história. Para um personagem que começa mal visto pelo público, por sempre estar se metendo nas mais irresponsáveis situações, o filho mais velho de Jake termina o filme como herói. É ele, também, que irá conhecer e desenvolver laços com Tulkun, uma criatura marinha cuja história de vida se tornará o centro da pauta ambientalista da trama, a qual irá expor a preocupação do filme em abordar um tema tão urgente do século XXI. Além disso, a relação entre os diferentes povos (povo do céu, da floresta, do recife e os tulkun), também dialoga com a importância da valorização da diversidade para a construção de uma sociedade mais colaborativa e em sintonia com a natureza. O que também é muito importante para o longa e será um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento dessa segunda parte da história.

Por último, o enfoque na família, tornando o filme para além da aventura, um drama familiar, também foi uma escolha muito interessante. Claro que era o caminho esperado após o nascimento de Neteyam ao final do último filme, mas Cameron fez questão de desenvolver todos os Sully e mostrar, ao máximo (à exceção de Tuk, a filha mais nova), o que todos estavam passando nesse novo momento e como iriam reagir diante disso. Foi assim que foi crescendo em mim, enquanto espectadora, uma ligação aos personagens que eu não esperava desenvolver, mas que ao final era tanta que me emocionou.

Portanto, todas as escolhas de roteiro, para mim, foram justificáveis. Embora tenha um segundo ato arrastado, todos os pontos que eu citei, e estão presentes neste, são necessários para oxigenar uma nova história em Avatar. Era preciso construir o filme baseado em uma lógica onde a necessidade de vingança se estabelecia como futuro conflito, onde a família Sully teria que lidar com tudo isso e, por último, como e ao lado de quem iriam lidar. Para uma continuação que ocorre mais de dez anos depois, Avatar: O Caminho da Água também precisa lidar com um primeiro ato mais autoexplicativo, que irá posicionar o espectador no tempo e que irá reintroduzi-lo ao universo de Pandora.

Não faz sentido, para mim, atribuir ao filme uma média ruim pela ausência de um “bom roteiro”. Talvez a história pudesse ser, sim, mais bem explorada em sua complexidade, tanto na pauta ambiental quanto de diversidade, mas o resultado final é tão bom que isso se torna desnecessário. Estamos diante de um espetáculo visual sem precedentes, onde Pandora é a verdadeira protagonista dessa história. Os personagens são importantes, mas não mais do que o universo em que se inserem. O filme, sem perceber ou talvez totalmente consciente, valoriza seu visual como o povo Na’Vi valoriza a natureza. É sobre o ambiente, mais do que sobre quem o povoa.

É aí que aparece a importância desse uso inovador da tecnologia em Avatar, que deixa Pandora como um mundo desejável, o mundo mágico onde nós mesmos gostaríamos de viver. E, embora James Cameron tenha uma abordagem extremamente fantástica e cheia de artificialismos, bem distante do realismo clássico idealizado por Bazin, eu diria que o filme de Cameron abraça um novo realismo na medida em que torna o irreal, realista. Avatar cria uma nova realidade, tão bem feita que é bem possível acreditar que existem humanoides azuis, em algum lugar deste vasto universo.

Avatar é a representação clara do nascimento de um novo cinema, que se funde à tecnologia e a arte presente nos videogames, para dar vida aos nossos universos mais surreais, às nossas ideias mais fantásticas. Eu vejo um futuro onde Avatar possa estar integrado à realidade virtual, onde irão existir novos meios de conectar o espectador ao filme, tão meta reais que hoje seriam difíceis de acreditar. O nascimento de filmes como esse, no século XXI, implicam na criação de novos paradigmas.

A continuação rompe com as fronteiras da nossa imaginação e nos coloca diante de um cinema ambicioso, que representa o mundo da informação, da internet 4.0, do avanço desenfreado da tecnologia e como, tudo isso, pode proporcionar uma relação diferente com essa arte. Sem deixar, também, de apresentar o outro lado da moeda, que seria a urgente questão ambientalista diante de todos esses avanços. Por tantos motivos, Avatar é, sim, um grande filme, que deve ser contemplado em tela de Cinema, qualquer que seja sua versão.

  • Nota
4

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