Crítica: Manila in the Claws of Light (1975)
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Crítica: Manila in the Claws of Light (1975)

Manila é a capital de Filipinas e também é personagem-criador que veste e envolve o protagonista que não só possui traços definidos que o relacionam com a história do país como também é veículo para uma profunda compreensão de seres que, esmagados diante à dura diversidade de classes, tem suas vidas completamente deslocadas à margem, subalternos da utopia, nesse sentido, de simplesmente encontrarem solução aos conflitos e paz.

É de um preciosismo cada detalhe, que a limitação técnica ou mesmo a experimentação da linguagem cinematográfica – a qual se baseia bastante no formato norte-americano em relação ao desenvolvimento, é vagaroso e elegante como o cinema Europeu e delicado, direto como o excelente cinema asiático. No estilo Nuberu Bagu acompanhamos Julio, um rapaz que foge para a metrópole Manila afim de buscar o seu grande amor Ligaya. Nessa jornada o herói se torna criador e criatura de uma série de reflexões sociais, sua trajetória passa pelo convívio truculento com os trabalhadores de construção – que pela necessidade e rudeza são explorados pelo capitalismo em cima da mão de obra -, até chegar a prostituição homossexual; no entanto, todo o processo, ainda que soe como um hino tão poderoso quanto o cantado por Chico Buarque em “Construção”, nos faz retornar de forma cíclica à questão: o que aconteceu com Ligaya, o antigo amor do protagonista? Ela foi viver o sonho da cidade grande e conseguiu ou fora vivenciada pela cidade em sua própria carne, assim como todos os outros que derramam suor para construí-la ao passo que foram convidados sistemicamente a assistirem suas casas sendo demolidas pelo governo?

Na abertura do filme a cidade do título se faz presente também na imagética, cenas flutuantes filmadas em preto e branco, vida social correndo por todos os lados e em direções contrastantes. É válido ressaltar que cada vida que corre poderia muito bem servir como produto principal de uma obra fechada em si como em “Manila in the Claws of Light”, pois o filme mostra tão somente a vida, mesmo em detalhes não tão (deveriam?) significantes. Quando as lentes encontram Julio Madiaga (Bembol Roco) perdido entre uma rua movimentada, a cor na fotografia salta aos olhos e se inicia uma esquemática operação para se atingir a vórtice do social, ruindo toda e qualquer verniz que teima em resistir. Homem nu, coração exposto, colidindo seu corpo imundo com as lamas profundas das ruas lotadas de gente, vazias de singeleza.

Como iniciação tem-se a sensação de que se trata de uma pueril história de investigação amorosa, ainda que essa antecipação seja aniquilada pelo próprio roteiro no momento que Julio se sujeita a um emprego na construção de um prédio. Prédio, reflexo de grandeza, como um remédio que cura aquilo que se deve tratar rápido; construção, do latim constructiōne, que antes de indicar ação revela que há um motivo, movemo-nos assim, juntos, afim de construir e deixar, pertencer às paredes e as tintas que se desbotarão com o tempo. Amou a última como se fosse mulher e beijou seu filho como se fosse parede. Enquanto o protagonista trabalha, cerca-se de iguais na classe e enfrenta desigualdade, desumanidade, fica perplexo diante do capitalismo assolando o trabalhador que, por sua vez, possui somente o físico para se manter menos em pânico. São príncipes, são góticos, são últimos, são rápidos e públicos, são proparoxítonas, assim como o final de cada linha da “Construção” de Chico Buarque.

No trabalho físico, não resta tempo para a humanidade, para as virtudes, para o consciente, tudo deve pertencer ao campo da repetição e mecanicidade. Tanto que um personagem, trabalhador, entre um tijolo e outro canta para praticar sua real vocação. Eis que como um pássaro enjaulado que se solta, é morto pelo próprio desaviso. Como que se a obra estabelecesse uma total desesperança para a utopia que, aprendi com Caetano, sem ela, não creio que exista vida. Irônico é que quando o protagonista, de fato, encontra aquilo que busca (e sabemos?) ele a leva para conversas no cinema, como se a arte pudesse representar liberdade, pobre cidadão iludido, Manila já pervertera o coração dos artistas.
O dinheiro é o que move a trama, e esse movimento fatalmente não é nada sutil, flui como uma tempestade e transforma até mesmo o encontro mais esperado em desesperança. A “busca” é uma palavra desmitificada também, sob olhares atentos da entidade representada pela cidade e olhar passional do protagonista sobre todos os males que assolam o lugar. É como se ele estivesse tão vazio pela objetividade de reencontrar o grande amor, que nem ao menos conseguisse desabar pela própria circunstância que se encontra. Se a obra caminha pelo social, é no corpo do indivíduo que busca sentido no momento em que a prostituição surge em tela como uma (vejam só!) possibilidade de ganhar aquilo pelo que tantos sofrem nas construções (dinheiro) com algo já construído e solidificado. O corpo que constrói prédio e faz ricos enriquecerem corta o caminho da produção em um ato de repulsa. A ele tudo pertence!

São tantas alegorias, Julio Madiaga é o povo enquanto sua paixão, Ligaya Paraiso (Hilda Koronel), é a pretensão. E no espaço entre um e outro explora-se a conjunção contrastante entre o endinheirado e o sobrevivente, essa dicotomia é inata ao egoísmo do ser humano, o qual muito acumula e pouco sente. Mensagens felizes não existem aqui, a violenta ruptura é por todos cantos e ecos, a investigação, além de mover a trama, era a única coisa que mantinha um elo de esperança, seja no protagonista ou no espectador – a jornada é simbiótica por tamanha veracidade – e quando ela se dissipa, toda a carga emocional enfrentada até ali simplesmente canta sua presença e o amanhã se desfaz.

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