Crítica: Antígona 442 A.C. - 45ª Mostra de São Paulo
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Crítica: Antígona 442 A.C. – 45ª Mostra de São Paulo

Entre os dias 25 de outubro e 02 de novembro, a Itaú Cultural Play  exibe gratuitamente sete títulos nacionais presentes na 45ª Mostra de SP, um por dia, sempre às 19h, que ficarão disponíveis por quatro horas. Basta se cadastrar rapidamente. Os filmes são os seguintes: Antígona 442 a.C., de Maurício Farias; O Melhor Lugar do Mundo é Agora, de Caco Ciocler; Meu Tio José, de Ducca Rios; O Circo Voltou, de Paulo Caldas; Memória Sufocada, de Gabriel Di Giacomo; Tarsilinha, deCelia Catunda, Kiko Mistrorigo; SARS-CoV-2 – O Tempo da Pandemia, de Eduardo Escorel, Lauro Escorel.

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Antígona 442 A.C. – Ficha técnica:
Direção: Maurício Farias
Roteiro: Andrea Beltrão
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 2021 (45ª Mostra de São Paulo)
Sinopse: Na Grécia antiga, uma jovem princesa enfrenta a ordem do rei, que determina que um de seus irmãos que lutou na guerra fique sem sepultura. Antígona enterra o irmão e, por isso, paga com a própria vida. O ato de Antígona é sagrado, obedece à lei humana de cuidar dos nossos mortos. O ato de Creonte, o rei, é um ato político, uma punição. Quem está com a razão? Inspirado na peça teatral de Sófocles.
Elenco: Andrea Beltrão.

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“E assim a história avança,
Em luta fratricida,
Ódio mortal
Violência coletiva,
Tudo pago por fim, naturalmente,
Com a escravidão do povo,
Na derrota final.

Sabemos bem
Que ninguém aprendeu muito
Com esta história de Sófocles.
Os jornais de hoje mostram
Que os próprios gregos não aprenderam.”

O prólogo escrito por Millôr Fernandes em sua tradução/adaptação de Antígona, tragédia grega escrita por Sófocles, e que abre o filme Antígona 442. a.C. , de repente ganha novas alusões no contexto pandêmico, político e social polarizado dos anos 2020/2021 no Brasil. A verdade é que as tragédias gregas, muito por serem pilares de estruturas narrativas justamente sobre intrigas familiares de deuses e manipulados que ecoavam em todos os espectros da sociedade, sempre possuíram aspecto atemporal da repetição ao decorrer das eras, da mesma forma  que Shakespeare e as comédias românticas, por exemplo, reverberam até hoje nas histórias atuais. A real tragédia, entretanto, é que nesse revisionismo, os “deuses” modernos que detém controle sobre o povo são outros – mas os “mortais” manipulados permanecem os mesmos.

A repetição reverbera por todos os cantos. “Repetir uma história é nossa profissão”, diz Andrea Beltrão, a renomada atriz que encenou essa adaptação aos palcos num monólogo a partir de 2019 (sob a direção de Amir Haddad), e teve os espetáculos colocados em hiato por conta da pandemia referente ao Covid 19. Beltrão refere-se também à natureza de um ator, e o ofício de contar o que são no fim das contas as mesmas histórias, os mesmos mitos, com roupagens diferentes até o fim dos tempos. Diante do contexto desse hiato, Antígona 442 a.C retorna – estreando na 45ª Mostra de SP – em forma de espetáculo filmado, onde a estrutura é remodelada para o cinema com a adição de um documentário direto da “oficina” da atriz, onde repassa o texto e as relações das mulheres, homens, deuses oráculos e criaturas presentes na tragédia de Sófocles. A direção fica por conta de Maurício Farias.

A protagonista é Antígona, filha do incesto entre Édipo com a mãe e esposa Jocasta. A jovem princesa enfrenta a ordem do rei Creonte de deixar seu irmão Polinice, que lutou na guerra, sem sepultura. Beltrão utiliza de papeis e fitas adesivas coladas na parede como ramificações daquela árvore genealógica e de intrigas das figuras contidas na tragédia, e as explicações dessas relações são intercaladas em cortes de câmera secos com a atriz, já caracterizada como tais personagens – no monólogo.

A força do texto é potencializada pela contagiante empolgação e entrega de Beltrão ao texto, algo que se estende nos segmentos de documentários, nessa dança entre o que se vê dentro e fora do palco, dentro e fora da ficção, que frequentemente se mistura. O granulado que toma conta do quadro em determinados momentos atribui um caráter meio punk à obra, uma revisão que instiga os sentidos e atribui energia. Mesmo assim, é nos fantasmas presentes nas poltronas vazias do teatro fechado que se extrai essa atmosfera de ruínas, da loucura do intérprete que grita sozinho, pela arte. Tais fantasmas evocam a tragédia grega adaptada em Antígona 442 a.C, e no Brasil da época em que foi gravada.

Quando a atriz coloca, em tom meio tragicômico, a máscara de proteção contra o Covid sobre a “boca” da caveira e a segura ao estilo de Hamlet, têm-se outra imagem evocativa, que registra a tragédia máxima extraída dessa obra, e as repetições eternas desses lamentos míticos que frequentemente se confundem com o real. Real este que, também, será fadado à mitificação.

  • Nota
3.5

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