Crítica: O Compromisso de Hasan - 45ª Mostra de São Paulo
Crítica: O Compromisso de Hassan - 45ª Mostra de São Paulo
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Crítica: O Compromisso de Hasan – 45ª Mostra de São Paulo

O Compromisso de Hasan – Ficha técnica:
Direção: Semih Kaplanoğlu
Roteiro: Semih Kaplanoğlu
Nacionalidade e Lançamento: Turquia, 2021 (45ª Mostra de São Paulo)
Sinopse: Ganhando a vida por meio da jardinagem e da agricultura nas terras que herdou do pai, Hasan tenta se livrar de uma torre de energia elétrica que será instalada no meio de sua propriedade. Sua iminente peregrinação até Meca o faz realizar um exame de consciência sobre o passado.
Elenco: Umut Karadağ, Filiz Bozok, Gökhan Azlağ, Ayşe Günyüz Demirci, Mahir Günşiray.

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Os minutos iniciais do Turco O Compromisso de Hasan (Baglilik Hasan), filme da Perspectiva Internacional na 45ª Mostra de SP, funcionam como uma construção de expectativas que é desarmada ao decorrer do filme. Após um prólogo que ocorre no passado envolvendo um momento particular da infância de Hasan, o personagem título, pulamos para o presente, com o personagem interpretado por Umut Karadag ganhando a vida por meio da jardinagem e da agricultura nas terras que herdou do pai. Hasan é visitado por um representante de uma companhia elétrica que o notifica sobre uma torre que será instalada em seu terreno, fazendo com que o trabalhador diminua parte de seu sustento. Quando o empregado da companhia vai embora, o sol que ocupava a cena logo dá lugar ao céu nublado, enquanto vemos o protagonista num plano aberto que o torna pequeno no quadro. A mensagem do diretor Semih Kaplanoğlu (vencedor do Urso de Ouro em 2010 pelo filme Um Doce Olhar, no Festival Internacional de Cinema de Berlim) é clara: as coisas acabaram de piorar para Hasan.

Logo imaginamos que veremos um conto ao estilo de classe-trabalhadora contra grandes corporações, mas o filme de Kaplanoğlu se revela, em suas 2horas e 27 minutos, como uma longa exploração da culpa e a incapacidade de mudança de seu personagem principal, que no decorrer da obra mente e engana para resolver seus problemas. Quando Hasan e sua esposa, Emine (Filiz Bozok) têm sua peregrinação à Meca (cidade santa para onde os muçulmanos vão participar de uma cerimônia sagrada de iluminação) aprovada, o sujeito procura remediar – frequentemente sem sucesso – atitudes do passado.

O que seria uma história sobre moralidade, se torna também uma história sobre religião, e a carga de espiritualidade presente aqui se eleva, pois os compromissos dessa tradição da peregrinação – entre eles o de pedir perdão para pessoas que foram prejudicadas no passado – são o que movem as atitudes do protagonista a partir de certo ponto. Dessa forma, é curioso esse embate de um ser com atitudes extremamente dúbias e a necessidade de reparação desses deveres, algo que se torna um compromisso. O diretor é eficaz na forma com que retrata as burocracias desse “ritual”, aproximando as cenas onde Hasan e Emine discutem os termos e o dinheiro necessário para as passagens a Meca, na agência de viagem, como um ato não tão diferente das transações de terras e conversas com advogados engravatados.

O filme evidencia as diferenças éticas de Emine e seu marido, como na cena onde ela repara um mal entendido envolvendo dinheiro, para uma mulher que realizou um trabalho para ela, uma boa ação que é feita antes mesmo de Emine saber que teria sua peregrinação aprovada. O filme eventualmente torna frequente esse contraste das atitudes questionáveis de Hasan com as outras figuras que habitam a narrativa.

O Compromisso de Hasan e seu roteiro (também de Kaplanoğlu) retrata o protagonista como uma figura multidimensional, algo que é potencializado pela atuação de Umut Karadag, que constrói o trabalhador como alguém em constante questionamento de suas ações. Os sonhos vividos pelo protagonista constroem imagens simbólicas e interessantes, como aquela da árvore substituída pela torre, uma imagem que representa o apagamento genealógico feito pelo próprio Hasan, que eventualmente confrontará esses fantasmas da família.

O ritmo cadenciado adotado pelo diretor eventualmente prejudica a obra. Kaplanoğlu tem como proposta examinar as atitudes de seu protagonista com calma, cada evento intercalado com a questão espiritual que é muito interessante ao longo do filme. Enquanto essa abordagem que toma seu tempo para desvendar os meandros dos conflitos internos de seu protagonista é louvável, eventualmente ela se arrasta, com a sensação de repetição. A poderosa cena final, no entanto, resgata muito dessa força diluída ao resto do filme, fechando esse conto de peso moral e espiritual muito forte, de forma bela.

  • Nota
3

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