Crítica: Parasita (Parasite) – 43ª Mostra de São Paulo
Parasita, de Joon-ho Bong - cena do filme
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Crítica: Parasita (Parasite) – 43ª Mostra de São Paulo

Parasita nos permite pensar nas mais profundas cicatrizes decorrentes do atrito entre as classes sociais.

Parasita está na programação de 43ª Mostra de São Paulo e foi o vencedor da Palma de Ouro.

Ficha técnica:
Direção: Joon-ho Bong
Roteiro: Joon-ho Bong, Jin Won Han
Nacionalidade e Lançamento: Coreia do Sul, 30 de maio de 2019
Sinopse: Uma família de pessoas desempregadas finalmente descobre uma mina de ouro: explorar a rica família Park para conseguir emprego a todos. Mas os planos serão atrapalhados por eventos imprevistos.

*este texto contém spoilers que podem atrapalhar a experiência do filme

A família que protagoniza Parasita vive em uma espécie de porão. Não ocupam a casa toda e ainda precisam roubar o sinal de Wi-Fi dos vizinhos. Desempregados, eles vivem tempos difíceis até que o filho Ki-woo encontra a possibilidade de dar aulas de inglês a uma menina de família rica. Não demora para que ele perceba que, além de fingir ter formação para dar aulas, a família toda pode conseguir algum emprego de forma desonesta.

Parasita é desses filmes repletos de críticas sociais e elementos a serem pinçados da trama. Além disso, o diretor Joon-ho Bong (ou Bong Joon-ho) aumenta as doses de humor que já vimos em Okja. Algumas cenas são hilárias e conseguem, por meio do riso, ampliar ainda mais os sentimentos de estranheza e incômodo gerados pelas relações de poder.

Além de continuar a trajetória do cineasta sul-coreano, que sempre analisa e pensa a sociedade em sua complexidade,  questionando essas relações (com destaque para O Expresso do Amanhã), Parasita consegue ir aos extremos dos sentimentos. Não apenas o humor é mais intenso, como também a violência se dá de forma mais surpreendente, criando assim mais impacto.

Mas talvez o mais interessante de Parasita seja o que os personagens significam e representam. Em certo momento do filme, me lembrei de ter lido casos a respeito de pessoas que moram em sótãos e outros espaços de casas sem que os donos saibam. Quando isso se une à questão das disparidades sociais que o capitalismo gera, surgem questões importantes a se pensar.

Podemos refletir. Se os donos da casa nunca se deram conta de um espaço do imóvel que ocupam, é porque sequer dão atenção ao que fazem os empregados. E se o consumo de alimentos por parte de uma outra pessoa em uma casa não é notado, é porque há comida demais. Pensando nisso, qual a verdadeira relação entre parasita e hospedeiro? E do ponto de vista social, não seriam os ricos os verdadeiros parasitas?

Aliás, vale ressaltar também que, mesmo com as estratégias escusas para conseguir emprego, o fato é que todos os familiares que conseguem trabalho estão dispostos a realmente trabalhar: não se trata de “preguiça”, mas sim de driblar a falta de oportunidades.

Assim, enquanto distrai o espectador com cenas tensas e engraçadas,  Joon-ho Bong nos leva ao ápice da representação das disparidades sociais: a enchente à qual os mais pobres estão suscetíveis, e que tem o poder de se tornar a gota d’água (trocadilho não intencional) para acirrar as tensões entre empregados e patrões – que sequer se interessam em saber a respeito daqueles que trabalham para eles, já que seria muito fácil descobrir algo a respeito dos novos empregados se eles assim o quisessem. E para representar isso, tanto o porão escondido quanto a escuridão da porta que leva à despensa são imagens extremamente potentes.

Por fim, vale destacar a temática relacionada ao cheiro. Quando o menino da família rica percebe que todos os empregados possuem um mesmo odor, o filme levanta um tema que permeia os detalhes mais sutis das disparidades sociais. Independentemente do que causa esse cheiro (o mesmo sabonete ou a casa em que moram), o fato é que até mesmo nisso pode haver diferença. Não à toa uma ação impensada é realizada após a temática ser suscitada por um “simples” gesto.

É uma pena, portanto, que Parasita se alongue em seu final e crie subterfúgios quase fantasiosos para chegar a um final feliz. É compreensível que Joon-ho Bong tenha desejado isso como forma de redimir os personagens, mas a maneira como isso acontece é fraca: há uma inserção de narração em off repentinamente, e uma solução pouco explicada e até mesmo incoerente, já que no filme que critica a desigualdade não deveria ser tão fácil para um que jovem pobre fique rico em pouco tempo (isso é quase fantasioso no mundo em que vivemos). Mesmo assim, Parasita é um ótimo filme. Em tempos hiperbólicos, talvez muitos se incomodem que esta crítica não endosse o coro de “melhor filme do ano”. No entanto, creio que ser apenas ótimo já é suficiente.

  • Nota
4.5

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