Dica de filme: uma quase crítica (45 dias sem você)
Eu sou meio suspeito quando o filme é sobre viagens ou sobre cidades que eu gosto. Também sou meio suspeito quando o filme mostra alguém que está em alguma jornada em busca de algum tipo de redenção ou descoberta.
Lembro que eu gostei muito do filme Copenhagen, que nem está mais disponível naquele serviço de streaming famoso. Também adorei ver um tal de “Uma Viagem Excêntrica”, que combina viagem com culinária (outra coisa que me faz curtir desde Chef a Estômago). Tem alguns mais “obrigatórios”, tipo a trilogia “Antes” do Richard Linklater ou os road movies básicos, como “Na Natureza Selvagem”, “Na Estrada” e “Sideways”, ou os brasileiríssimos “Cinema, Aspirinas e Urubus”, “Central do Brasil” e “Terra Estrangeira” (aliás, quero mais road movies do Walter Salles, por favor). Um filme que achei também muito interessante foi Latitudes, projeto com Alice Braga e Daniel de Oliveira que se passa em diversas cidades.
Lembro que eu descobri o filme Latitudes meio ao acaso, pela internet afora, entre um clique e outro, e decidi que deveria vê-lo. O processo foi semelhante com o filme do qual quero falar agora: “45 dias sem você”. Foi muito rápido: cliquei sem querer em uma propaganda, vi rapidamente um trailer pulando as partes, percebi que era um desses filmes que eu gosto, com viagens e cidades bacanas, e fui parar na página do Google Play. Depois disso, foram alguns dias com a aba aberta, até que eu encontrasse algum tempo para assistir por uma quantia razoável no cartão de crédito.
Só dei o play, mesmo. E aí fui tendo surpresas. “45 dias sem você” é sobre corações partidos e amores sofridos (tema que, ao contrário das viagens, não me é tão próximo): conta a história do Rafael (nem falam muito o nome dele ao longo do filme, mas enfim), que terminou um namoro com um rapaz cujo nome nunca é mencionado e decide ir em uma viagem a Londres (e depois outras cidades) para tentar se curar dessa dor.
É também desses filmes menos naturalistas. As falas saem dos atores com certa pompa. Dizeres poéticos e filosóficos substituem conversas que amigos teriam “na vida real”. Isso pode ser bom, ruim ou indiferente, conforme quem assiste. O mesmo pode ser pensado sobre o dinheiro do protagonista, que viaja a esmo como quem tem dinheiro sobrando – o que é comentado no próprio filme, que cita a realidade de “burguês” com certa ironia, como se o filme soubesse que retrata algo privilegiado… aliás, o próprio fato de alguém poder viajar porque sofreu uma desilusão amorosa já é, por si só, um grande privilégio.
“45 dias sem você” também surpreende ao mostrar que todos os personagens têm os nomes dos atores. Eu percebi isso quando vi o Fábio Lucindo (sabe o dublador do Ash? Esse mesmo) fazendo um Fábio que mora em Portugal (e eu sabia que o ator estava por lá) e que é dublador. Depois eu vi que o diretor quis fazer versões fictícias desses atores. Aliás, como todos os personagens são atores, dá pra sentir que o filme é quase metalinguístico nesse quesito (inclusive quando aparece o Ícaro Silva).
Eu nem sei por que decidi escrever isso
Acho que é porque eu queria falar sobre esse filme, mas sem ser uma crítica tradicional. Acho que eu senti uma vontade de viajar. Não é apenas a questão de ir para Londres, ou Coimbra, ou Buenos Aires, ou Paris (cidades que aparecem no filme). É mais o sentimento. Sabe essa sensação de andar meio perdido em uma cidade que não conhece? De se deslocar de si mesmo em um lugar ao qual você não pertence, mas que ao mesmo tempo te acolhe? Viajar (pra mim) é tipo isso.
Porque a gente não precisa estar apaixonado demais ou sofrendo demais para ter aquela sensação de estar meio perdido e meio em busca de si mesmo em uma viagem. E mesmo com diálogos que parecem saídos de um livro do John Green, com metáforas óbvias (um personagem picha corações pela cidade) e referências elementares para cinéfilos (Vapor Barato tocando em Portugal? Já vi isso em algum lugar!), o filme é feliz em passar essa sensação de estar nesses locais e de ter as cidades quase como personagens.
Um filme que tive interesse em ver apenas por motivos “viajísticos” (quando uma palavra não existe, a gente cria) foi “Porto”. Um dos últimos longas do ator Anton Yelchin, o filme demorou a ser lançado e tem vários problemas: é lento demais, desinteressante demais, pretensioso demais. Mesmo assim valeu conferir. Vale retomar aqui essa ideia que me volta sempre à mente: filmes com temáticas de viagem raramente são grandes obras. Não incluo aqui os grandes road movies, mas os filmes em que algum personagem viaja a algum lugar e pode vir a nos inspirar a fazer as malas. Geralmente são dramas mais leves ou então os famosos “feel good movies”, que variam entre o ruim e o “apenas bom”. E neste momento eu me lembro do filme argentino “A Linha Vermelha do Destino”, bobinho porém divertido, e também do péssimo “Ibiza: Tudo Pelo DJ”.
Talvez eu tenha escrito tudo isso para saciar a vontade de viajar. Talvez porque ver filmes é uma forma voar pelos mares, encontrar novos ares e até mesmo reviver cidades já visitadas. E porque todos temos o sonho de carregar a liberdade de personagens, que são sempre fictícios, ainda que sempre realistas.