A armadilha nas séries de antologia
Recentemente, acompanhei duas séries no formato (subgênero?) de antologia. Chamamos de antologia as séries que trazem episódios ou temporadas independentes, cujas histórias se interligam apenas por meio do universo em que existem, da temática que abordam, ou que podem conter personagens que se repetem, mas não demandam que o espectador acompanhe as temporadas anteriores.
Enquanto American Crime Story, The Sinner e True Detective trazem temporadas com histórias independentes que envolvem investigações de crimes, Modern Love traz diferentes histórias de romances contemporâneos independentes (como o título sugere) em cada episódio. É claro que a premissa é antiga, remonta obras literárias, e tem na série The Twilight Zone (Além da Imaginação) um de seus principais representantes, já que ela foi criada há décadas, em 1959.
No meu caso, as séries que eu acompanhei estão longe de serem desconhecidas e você talvez tenha visto: The White Lotus e Black Mirror. Na primeira, personagens ricos estão de volta a mais uma sequência de dias no luxuoso hotel-título, desta vez na Tailândia. Na segunda, cada episódio traz mais elementos de ficção científica que brincam com as possibilidades (das mais reais às mais surreais) que os avanços tecnológicos podem trazer.
Mas eu não estou aqui para destrinchar nenhuma destas séries. O que não falta por aí é análise e reflexão sobre elas. Vamos ao que me parece importante discutir:
Que tal parar de fazer comparações?
É claro que às vezes é inevitável. Às vezes a gente se compara aos outros, então é claro que vamos acabar comparando episódios e temporadas recentes às anteriores. A grande questão é que isso pode atrapalhar nossa própria reflexão sobre as séries de antologia.
Em Black Mirror, infelizmente, não será mais possível sentir a mesma coisa dos primeiros episódios da série. E não é só porque eles foram produzidos pelo Channel 4 da Inglaterra, antes de serem comprados pela gigante do streaming, mas principalmente porque não estamos mais nos anos 2010 (os primeiros episódios são de 2011 e foram popularizados pela Netflix alguns anos depois). A tecnologia mudou e já não é mais uma novidade. Nem mesmo seus efeitos negativos. Se nos primeiros episódios de Black Mirror nós começávamos a discutir o problema de dar “like” em tudo e ainda ríamos com a ideia de personagens animados virarem políticos, hoje nós sofremos diariamente com os malefícios das redes sociais, discutimos a regulamentação de serviços de entrega e de transporte, e sabemos que muitos políticos dos mais bem-sucedidos atualmente são praticamente personagens construídos nas redes sociais.
O que eu quero dizer é que o próprio princípio da série no formato antologia não permite causar os mesmos impactos dos episódios iniciais. O que eles fazem é dar continuidade ao debate, propor novos olhares ou seguir contando aquela história com atualizações. É possível e desejável que os roteiristas sejam criativos ao desenvolver novas ideias naquele campo, mas o próprio fato de se continuar uma série do tipo significa que o tempo de produção dos episódios ou temporadas seguintes será outro – e, portanto, incomparável em todos os aspectos.
A terceira temporada de The White Lotus, por exemplo, tem uma proposta e um tempo de construção dos personagens diferente daquilo que vimos nas temporadas anteriores. Talvez seja por isso que muita gente reclamou dos episódios gravados na Tailândia, dizendo que não “acontece nada”. E tudo bem: você pode ter suas temporadas preferidas, é claro. O que eu defendo é que não podemos cair na armadilha da comparação. Aos que gostam de plot twists e acontecimentos chocante, talvez nada supere a segunda temporada da série, mas a última teve justamente um objetivo completamente diferente: colocar os acontecimentos subjacentes, nos fazer questionar sobre os pensamentos dos personagens, construir lentamente as tensões.
Não apena O QUE vemos hoje, mas QUEM somos hoje
Uma vez, eu viajei a uma cidade que já havia conhecido antes, e onde vivi muitas experiências boas. Nesta segunda viagem, tive impressões diferentes da cidade e não consegui aproveitar como da primeira vez. A cidade havia mudado, é claro: os tempos mudam, a economia gira, as pessoas constroem novos ambientes. No entanto, o que mais havia mudado entre a primeira e a segunda viagem tinha sido eu. Eu era outra pessoa: mais realista, mais atento, menos deslumbrado.
Quando você assiste aos novos episódios de Black Mirror, The White Lotus, ou qualquer outra antologia, você talvez busque pelo sentimento que teve ao ver os primeiros episódios pela primeira vez. Essa busca nunca vai se consolidar: porque os episódios são outros, os antigos jamais serão vistos pela primeira vez, e você não é mais aquela pessoa, você amadurece a cada dia que passa entre uma temporada e outra.
Acho que as séries de antologia nos ensinam a olhar para o agora. Não para o passado e nem para o futuro, apenas o presente.