Crítica: Merlí (3ª Temporada) - Netflix - Cinem(ação)
4 Claquetes

Crítica: Merlí (3ª Temporada) – Netflix

Merlí é uma série tão humana que não precisa ser perfeita para ser inesquecível.

 

Ficha Técnica: Merlí

Criador: Héctor Lozano

Direção: Eduard Cortés / Menna Fité

Nacionalidade e Lançamento: Espanha, 2017

Sinopse: Pronto para dar início às aulas para o último ano do “ensino médio” no Instituto Ángel Guimerá, o professor de filosofia Merlí terá novos – e velhos – problemas para resolver. Enquanto os alunos passam por momentos decisivos da vida, o professor de física verá que não é o único professor popular da turma.

 

Leia a crítica da 1ª Temporada

Leia a Crítica da 2ª Temporada

Leia o artigo sobre pontos positivos e negativos da série

 

*este texto pode conter pequenos spoilers da terceira temporada e de toda a série

Não existem pessoas perfeitas. Existem pessoas. E cabe a cada um de nós nos relacionar com elas de forma a extrair o que possuem de melhor. O mesmo pode-se dizer das séries, e talvez “Merlí” seja a metonímia de todas elas.

Ao mesmo tempo em que está longe de ser uma série perfeita, a série catalã de Héctor Lozano consegue nos fazer perdoar todas as suas falhas graças ao carinho que consegue imprimir a cada momento, tal qual seu protagonista.

Assim como as temporadas anteriores, a terceira e última continua dedicando-se alternadamente a cada um dos principais personagens, esquecendo-se de alguns (que, de fato, pouco teriam a acrescentar) e dando atenção àqueles cujos dramas são mais densos. Em meio a tudo, está Merlí e suas imperfeições, sua conduta duvidosa e imprevisível, e suas “merlinadas”. Em cada episódio, continuamos sendo apresentados aos filósofos e seus diferentes pensamentos, e sempre há pelo menos algum drama de um aluno relacionado ao que se discute, ainda que algumas vezes apenas de forma superficial. E, convenhamos, séries de TV não foram feitas para debates tão profundos sobre a filosofia em si, embora tenham sido feitas para nos emocionar.

Portanto, é incrível como a série consegue ter alguns momentos precisamente brilhantes. Enquanto os primeiros episódios ainda são um pouco lentos, o quinto episódio da terceira temporada, sobre Hannah Arendt, trata do perdão, de maneira sutil e intrínseca à narrativa maior da série: é por isso que nos emocionamos com os momentos em que Pol se lembra de algo divertido de sua infância (uma simples câmera de souvenir com alguma foto dentro), Oksana nos conta seu passado, e Merlí assiste a um vídeo de sua juventude (que, aliás, mostra o próprio ator há cerca de 30 anos) – em um dos poucos momentos em que o personagem durão cede às lágrimas.

Já no décimo episódio da temporada, somos apresentados logo de cara à morte iminente de um personagem que também aprendemos a gostar ao longo das temporadas. Com uma estrutura de flashback, explorada apenas uma vez na primeira temporada, vemos o debate sobre a morte e a necessidade de encará-la de forma a ser mais feliz mesmo sabendo que ela um dia chegará. E sim, este tema é fundamental para o que acontecerá no último episódio.

Alguns dramas começam e não são mais mencionados, servindo apenas àquele momento. No entanto, a série é muito feliz ao tocar novamente em dramas de temporadas passadas, considerá-los na formação de seus personagens, e ainda retomar elementos sempre que possível, para depois culmina-los em momentos inspirados, tal qual o pedaço de parede que todos da classe assinaram.

Depois de se dedicar a personagens como Joan, Gery e Marc, os episódios finais se voltam mais para Pol, Tània e… Bruno, que retorna de viagem para fechar as arestas. Neste momento, vale notar a maneira como a série propõe novas leituras dos filósofos citados. Se, nos episódios anteriores, Karl Marx foi apenas um ponto para discutir o valor de um laptop, e Bauman teve sua filosofia “convertida” para questões muito mais políticas que sociológicas, torna-se muito bonito quando a série deixa de falar sobre as relações de dominação de Hegel no campo social para ir ao amoroso – já que todo relacionamento pressupõe uma dominação. E já no episódio 12, sobre Santo Agostinho, temos apenas um último tema a debater antes do final da série: o conceito de paradoxo do tempo. Afinal, o que seria mais importante para uma série sobre jovens (e um professor que nunca deixou de ser jovem por dentro) do que pensar sobre o quanto o presente sempre se esvai e passa a se tornar passado a cada instante, pedindo que o aproveitemos ao máximo?

Os episódios finais são necessários. O penúltimo é como uma catarse final da adolescência: a festa que celebra a beleza de ser jovem, o sexo que sela uma união de amizade, e o sentimento de que todo ciclo tem seu fim – e aqui cabe citar a fotografia incrível do espaço onde a turma de alunos faz o acampamento, especialmente as cenas noturnas.

O último episódio poderia ser criticado por promover o choro fácil. Mas não. Trata-se de um fim corajoso e definitivo para que a série mostre o que realmente significa. Muito mais do que sobre educação e adolescência, “Merlí” é sobre a vida e o que dela teremos feito quando a deixarmos.

Sim: a série é imperfeita. Há alguns ciclos que não se fecham, alguns casais são formados apenas para conveniências do roteiro, e a falta de diversidade no elenco são alguns do defeitos. Mas assim como aprendemos a gostar do protagonista a despeito de seus inúmeros defeitos, o mesmo sentimos pela série.

No fim, “Merlí” é uma ótima forma de recordarmo-nos que a vida vale a pena quando deixamos nossas marcas: amizades eternas, sonhos acumulados, e quiçá nossos próprios nomes na parede da escola, em um canto coberto por tralhas. O epílogo pode ter soado explicativo demais ao mostrar os peripatéticos sete anos depois, mas é fundamental para não nos iludir sobre a vida perfeita: ao mostrar o que se passará com cada um deles, nos lembramos de que nem sempre nossos sonhos são realizados, e o sucesso de cada um é muito particular.

E que bom que temos uma série imperfeita como nós mesmos, para nos lembrar que, por mais que estejamos sempre tentando racionalizar a vida, no fim das contas ela é só essa coisa bonita que nem os maiores filósofos conseguirão explicar.

  • Nota
4.5

Resumo

No fim, “Merlí” é uma ótima forma de recordar-nos que a vida vale a pena quando deixamos nossas marcas: amizades eternas, sonhos acumulados, e quiçá nossos próprios nomes na parede da escola, em um canto coberto por tralhas. O epílogo pode ter soado explicativo demais ao mostrar os “peripatéticos” sete anos depois, mas é fundamental para não nos iludir sobre a vida perfeita.

Deixe seu comentário