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Crítica: Aqui

Aqui – Ficha técnica:
Direção: Robert Zemeckis
Roteiro: Eric Roth, Robert Zemeckis, Richard McGuire
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2024 (16 de janeiro de 2025 no Brasil)
Elenco: Tom Hanks, Robin Wright, Paul Bettany, Kelly Reilly.
Sinopse: Situado em um único quarto, ele acompanha as muitas pessoas que o habitam ao longo dos anos, do passado ao futuro.

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por Cláudio Gabriel

No livro “Esculpir o Tempo”, o cineasta russo Andrei Tarkovski defende a teoria de que os planos no cinema eram uma forma fundamental de alterar o olhar humano sobre o tempo. Ou seja, a partir do momento que estamos em contato com determina cena ou sequência, o fator temporal pode ser múltiplo, seja acelerado, ou até mesmo lento, como se estendesse muito mais, porém capaz de trazer um efeito poderoso – e, como ele defende, que mistura a realidade com a ficção.

Um pouco dessa noção está presente em “Aqui”, novo filme de Robert Zemeckis (“De volta para o Futuro” e “Forrest Gump”) na qual a discussão temporal é algo onipresente. Isso porque o que ele quer contar é bem simples: a história de gerações de pessoas que moraram em um lugar, um canto, seja enquanto ali era uma floresta, seja quando se transformou em uma casa. O que esse simples local pode dizer sobre a vida e a própria história dos Estados Unidos?

Claro que, no meio desse fio narrativo, há uma trama principal. Essa que é a vida da família Young, que compra o local em um período do pós-guerra com o casal Al (Paul Bettany) e Rose (Kelly Reilly). Porém, os olhares são voltados mesmo para o filho deles Richard e a namorada Margaret, com Tom Hanks e Robin Wright rejuvenescidos sob computação gráfica.

Zemeckis não tenta esconder em momento algum que toda essa história está baseada no digital. Ou seja, pouco há de cenários reais presentes ali. Porém, essa realidade “construída” é fundamental para a concepção que o próprio filme “Aqui” explora sobre a maneira como os humanos se constroem. Não há um único local do planeta na qual nós, enquanto espécie, colocamos a mão e não transformamos, é como se fosse algo inerente, necessário. Entretanto, nem sempre bom.

A discussão do diretor abre espaço quando, nas cenas mais antigas, vemos um casal indígena ocupando esse território, tendo uma filha (em uma sobreposição do passado e presente, com ambos os nascimentos em um mesmo ambiente). O local, todavia, vira palco de uma propriedade de um parente do inventor Thomas Edison, um dos consideráveis responsáveis por ter descoberto a luz elétrica. Ao mesmo tempo que esse cenário também é palco de soldados descansando em meio a Guerra Civil Americana e que, ao final do confronto, se questionam: “Para onde vamos agora?”. É um ciclo eterno na qual a civilização convive, de dor e morte, mas também de nascimento e alegrias.

Essa eterna repetição faz parte da família Young, que passa a conviver sob essas perspectivas. A construção de boas ou marcantes memórias (como o nascimento ou casamento na sala), se contrapõem com uma necessidade humana da própria consolidação familiar. É aí que reside o confronto do casal Richard e Margaret. O primeiro quer ser um pintor ou designer, mas acaba se transformando em um trabalhador de máquinas para sustentar a família e tem medo de qualquer tipo de mudança. A segunda que tem o sonho inicial de ser uma advogada, contudo se torna uma dona de casa e o máximo de emprego que consegue na vida é ser recepcionista. 

Ao mesmo tempo que a humanidade constrói a capacidade de avançar, parece viver ainda sob regras e condições que praticamente o impossibilitam. 

É interessante como esse elemento é algo onipresente em todas as narrativas que aparecem. A frustração pelo simples fato de não poder ser mais, de não pode realizar mais, no entanto de ainda conseguir ser feliz, apesar de tudo. A lembrança do passado – como em um momento que paleontólogos encontram no futuro um colar da indígena que viveu sob aquela região – nos fazem lembrar da simples necessidade de um entendimento mais profundo sobre si mesmo enquanto parte de um cosmo maior.

“Aqui” é baseado em uma HQ de mesmo nome, desenhada e escrita por Richard McGuire. Aliás, boa parte de pensamentos visuais vem diretamente do quadrinho. Mas na obra original esse peso da passagem do tempo é sempre pensado sob um olhar destruidor, no filme isso denota como uma possibilidade de extrair algo positivo disso tudo. É um olhar bem, otimista, afinal. 

Por esse motivo, Zemeckis faz um tratado sobre os Estados Unidos em si, ao falar dos diversos momentos históricos, como a Guerra Civil, extermínio indígena, invenções, máquinas, e chegando até a uma morte em decorrência da Covid e a uma família negra na qual os pais ensinam ao filho a como deve se comportar em uma batida policial. Essa sociedade americana representada em fragmentos é um cosmo das modificações e problemáticas existentes através das décadas. Desde a natureza destruída (as contraposições entre as sequências no meio das árvores e a casa agitada são sempre impactantes) até os papéis sociais, tudo vai se transformando e ganhando novos contornos. Em certo sentido, é como se o cineasta visasse construir a história humana – sob uma perspectiva americana, claro – e a busca eterna por apenas querer a felicidade.

Toda essa alegoria é sempre feita através do digital, reforçando esse aspecto da artificialidade. Pouco importa onde isso acontece, o que é mais relevante é a forma como as coisas ocorrem, em uma alusão a própria ideia do cinema em si. Por isso, não se importe muito com uma estranheza ao olhar o rejuvenescimento e dos atores e busca compreender a própria finitude humana em meio a isso. 

“Aqui” não segue diretamente os passos teorizados por Tarkovski, entretanto eles refletem esse mesmo olhar menos para o próprio cinema e mais para a própria construção do ser humano. É como se sempre nosso tempo vivo, mesmo que curto para os anos na qual o planeta tem, fosse menos quadrado e mais estendido. Até por isso mesmo, nossa necessidade de sonhar, de sorrir e de chorar.

Nota: 4/5

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