Crítica: Tipos de Gentileza - Festival de Cannes 2024 - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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Crítica: Tipos de Gentileza – Festival de Cannes 2024

Tipos de Gentileza – Ficha técnica:
Direção: Yorgos Lanthimos
Roteiro: Efthimis Filippou, Yorgos Lanthimos
Nacionalidade e Lançamento: Irlanda, Reino Unido, 2024 (Festival de Cannes)
Sinopse: Um homem procura libertar-se de seu caminho predeterminado, um policial questiona o comportamento da sua esposa após um suposto afogamento e a busca de uma mulher para localizar um indivíduo profetizado para se tornar um guia espiritual.
Elenco: Emma Stone, Jesse Plemons, Willem Dafoe, Margaret Qualley, Hong Chau, Joe Alwyn, Mamoudou Athie, Hunter Schafer.

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Tinha dezesseis anos na primeira vez que vi “Dente Canino” (2009). Àquela época, começava a descobrir o cinema além dos blockbusters e comecei como todo mundo: trilhando o burocrático e, por vezes óbvio, caminho do início da vida cinéfila. Nada mais clichê que dizer que nesse momento eu tive uma queda por filmes considerados “perturbadores”. Em uma rápida busca no Google, encontrei uma série de representantes da chamada “Greek Weird Wave” e Yorgo Lanthimos foi o que mais me chamou atenção da lista, disparado.

Lembro da sensação repulsiva que suas cenas me causaram, do horror que fiquei ao final do filme e de todo o sentimento de alívio quando chegou ao fim. Me parecia uma ideia absolutamente maluca, naquele momento e com aquela idade, um filme sobre o excesso de controle parental em uma família disfuncional o qual misturava temas como incesto com outros absurdos, incluindo a ressignificação de objetos e sentimentos e um novo “paradigma” para relações familiares. Isso me interessava de formas que eu ainda não havia experienciado, e aquela primeira visita me marcou para sempre.

Por conta de uma boa primeira impressão, continuei empolgada com sobre outros filmes do diretor. Assisti A Lagosta (2015), O Sacrifício de um Cervo Sagrado (2017), A Favorita (2018), Nimic (2019) e Pobres Criaturas (2023), mas era sempre assim: gostava de um e não gostava de outro. Compreendia e admirava aspectos de uma obra e detestava tudo que vinha no filme em seguida. O looping já parecia ser ad eternum, mas dessa vez eu de fato comprovei ser.

Arrisco dizer que poucos se apaixonaram tanto pelo universo Bella Baxter quanto eu. “Pobres Criaturas” foi um dos pontos altos de 2023 para mim e eu escrevi à época um texto emocionado sobre o filme, chegando a revê-lo quatro vezes em um período de apenas dois meses. Era de se esperar que eu estivesse mais do que empolgada para conferir “Tipos de Gentileza” em Cannes, o novo filme de Lanthimos com parte do elenco da obra vencedora do Leão de Ouro no ano anterior. Contudo, infelizmente, o que eu vi na sala de cinema foi uma decepção maçante e vazia.

Dividido em três episódios (ou pequenos curtas), Yorgos faz um longo ensaio sobre os “tipos de gentileza” – os quais, de gentileza mesmo, só possuem o nome – onde um elenco de peso interpreta diferentes personagens em universos bizarros. Todos mudam da aparência ao tom de voz e têm a dinâmica de suas interações alteradas de acordo com cada história. Ninguém pode dizer que não se trata de uma boa premissa. Afinal, um filme que reúne Willem Dafoe, Emma Stone, Joe Alwyn e Margaret Qualley teria muitas poucas chances de ser de fato algo ruim, certo? Errado.

Para mim, “Tipos de Gentileza” não é genuíno, parece ser apenas um filme para estampar manchete de choque em Cannes 2024 e elevar o “hype” cedido à figura de Lanthimos e Stone no Oscar – e para mim esse é o problema, pois acho que é possível sentir quando o filme passa a querer se encaixar nesse local de “disrupção” mesmo que seja uma espécie de fachada usada sem propósitos narrativos maiores que não mascarar suas fraquezas. Se de um lado tantas pessoas estão felizes pelo Lanthimos do início da carreira estar aparentemente “de volta”, eu acredito justamente o contrário: nada dessa provocação parece ter o impacto que um dia Lanthimos já provocou em mim.

Me cansa o humor da verborragia que se ancora na repetição das falas dos personagens e me cansa ainda mais a ausência de um ritmo e/ou de uma edição que tornasse o filme pelo menos um pouco mais agradável de assistir durante suas quase três horas de duração. A impressão que existe é que Lanthimos estende cada um dos seus universos por muito mais tempo do que deveria. Sinto como se estivesse diante de uma espécie de “French Dispatch” (2021) do Wes Anderson, entediante enquanto filme e possivelmente mais interessante enquanto coletânea de curtas.

O lado bom é poder dizer que muitos já podem comemorar (pelo menos por enquanto) o fato de que o diretor parece ter deixado de lado o uso excessivo das “lentes de olho de peixe”. Embora ainda se mantenha fiel ao preto e branco. A verdade é que em Tipos de Gentileza realmente tem de tudo: cenas de canibalismo, cultos, est*pro, autoflagelo, sur*ba e mais um trilhão de frames controversos estão presentes, sim, só não possuem o impacto que desejam mesmo.

É como se o filme inteiro fosse uma grande tela em branco passando pelos nossos olhos, existem momentos em que você até sorri, mas depois mal lembra o porquê. Acredito que para usar tais temas no cinema, especialmente na intenção de provocar o espectador, a lógica da repetição à exaustão dessas ações ao longo de um único filme leva à inevitável apatia. Sai totalmente pela culatra.

Quentin Tarantino uma vez disse que para construir o impacto do final catártico de “Era Uma Vez em Hollywood…” (2019), foi necessário que os dois primeiros terços do filme se tornassem uma antecipação calculada, onde tudo acontece, mas nada explode pois o impacto é reservado ao final e por isso funciona. Yorgos não sabe gerar uma antecipação e então goza antes do tempo (o filme me permite essa redação, penso). É por isso que em Cannes 2024, Lanthimos está mais perto do Ruben Ostlund em “Triângulo da Tristeza” do que dele mesmo: formulaico de Festival, cujo filme possui apenas uma embalagem diferente, mas o conteúdo é mais do mesmo. E o mesmo é nada.

  • Nota
2

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