Eu Cinéfilo #72: Guerra Civil
Ao se falar de fotografia existe todo um aparato ideológico do visual que equipara o contato do espectador com um plano fixo. Aquele momento registrado eternamente, parado no tempo. Congelado. Estático. É desse registro de um fragmento da história que se baseia o fotojornalismo. Vem do real. Da vida real. E isso, inserido dentro de um contexto de conflito, se coloca em um lugar de observador, tal qual se expectador dela após registrada. Ali, é onde existe um distanciamento de quem registra a imagem ao que de fato está acontecendo. A câmera aqui é uma ferramenta da aproximação e ao mesmo tempo distanciamento do real.
Guerra Civil (2024) de Alex Garland junta essa ideia de distanciamento e registro ao cinema. Uma arte que amplia tal sensação. São vinte e quatro fotos por segundo. A primeira dessas imagens que temos é de um presidente fazendo um confiante discurso de guerra. A partir disso, o filme conta a história de quatro fotojornalistas em meio a um enorme conflito armado civil que ocorre em um Estados Unidos futurista completamente dividido politicamente. O filme faz questão de não mastigar ao espectador o que de fato é esse conflito ou quando de fato ele se iniciou. Os quatro personagens não são necessariamente conflituosos e todos possuem a mesma motivação, a do registro. De guardar aquele momento para seus próprios espectadores. E nesse contexto esses momentos são a tragédia, a morte, o ódio. É isso que rodeia a guerra, não só do filme, mas de qualquer contexto.
O filme após sua introdução, junta esses quatro personagens principais em uma grande narrativa de road movie, com o intuito de conseguirem um depoimento do presidente, prestes a perder a guerra, uma clara última e exclusiva oportunidade para tal feito. São vários momentos de tensão e ação política registrada que os quatro se deparam, sempre em uma tentativa de distanciamento daquilo. Corpos pendurados vivos. Conflitos armados. Mortes. Emboscadas. É isso que se deparam. São imagens violentas que mostram o brutal do humano a sua própria natureza. Sobre isso Werner Herzog destaca em seu filme “O Homem Urso” de 2005: “Eu acredito que o denominador comum do universo não é a harmonia, mas caos, hostilidade e morte”.
Joel, um homem experiente e empolgado do grupo, é encantador e alegre e se coloca em um local de pulsão de morte extrema, porém, completamente a par da fisicalidade daqueles atos, sempre registrando o mais próximo que é possível, mas não se arriscando demais. Lee, é a mulher mais renomada do grupo, com um trabalho reconhecido e experiente, ela lida com uma enorme frieza com aquele mundo de brutalidades, sempre buscando o não afetamento. Sammy é o mais experiente e cuidadoso do grupo, fugindo o máximo que consegue do conflito, valoriza o registro como um último escape dessa vida de frieza. E Jessie é a mais nova do grupo prestes a iniciar esse caminho, sem nenhuma cicatriz.
É justamente a inocência de Jessie que move a narrativa, constantemente no aprendizado daquele micro mundo conflituoso que constantemente rodeia a história da humanidade. É sua visão de mundo que começa a ser corrompida, assim como a do espectador de tudo aqui.
A direção de Garland faz questão de registrar tudo em um quê fotogênico e frio e ao mesmo tempo direto e bem enquadrado. São diversas fotos que os personagens tiram que reforçam essa ideia com o passar do filme. Sammy é morto. Mas o registro dele sem vida é uma das poucas imagens que Lee não consegue manter guardada.
É no ato final que isso se sobrepõe à narrativa de maneira precisa, após chegarem na capital do país e vivenciarem, literalmente em conjunto dos soldados das forças vencedoras, ao caçarem o presidente em seus últimos movimentos. Em uma grande sequência de ação, digna de qualquer grande blockbuster de guerra, jogando seu espectador naquele meio, sem muito saber pra quem torcer, mas ao mesmo tempo em simpatia com os protagonistas. As fotos de Jessie surgem como planos fixos. Soldados. Mortes. Explosões. São expressões de horror, medo, tensão no mais alto estado.
Aqui por fim, visto imagem a imagem, é um interessante – muitas vezes também chocante – e nunca menos provocador compêndio de histórias humanas. Essa ambição jornalística obedece a restrições éticas, por um lado, e estéticas por outro. O desejo de capturar uma imagem perfeita só pode ter efeito bem prático de exercícios dessa profissão. Lee por isso, paga o preço maior. Morre pelo registro da câmera de Jessie. O passado deixando o futuro prosseguir.
O registro final vem com Joel encontrando o presidente encurralado, em seu ato final, implorando pela vida. No fim. Uma figura covarde. Tal como alguém qualquer. A foto que se revela nos créditos finais é a que fica. O presidente morto ao lado de seus executores, que posam felizes.
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Texto escrito por:
Felipe Vignoli