The Last of Us está infantilizado - e a culpa é da nova geração
Eu Cinéfilo

Eu Cinéfilo #83: The Last of Us está infantilizado – e a culpa é da nova geração

Suavização de cenas violentas e diálogos diluídos na segunda temporada refletem uma tendência cultural: o público jovem quer menos brutalidade e mais conforto emocional

Há um sentimento ambíguo no ar. Com apenas dois episódios restantes, a segunda temporada de The Last of Us, da HBO, parece mais próxima do fim do que do impacto. E não por falta de fidelidade ao jogo — nesse ponto, os criadores continuam demonstrando respeito ao material original — , mas por uma estranha e frustrante suavização de tom. Falta à série a crueza que fez do jogo The Last of Us Part II uma das narrativas mais adultas e visceralmente desconfortáveis já contadas no mundo dos games. E o motivo é simples: A nova temporada é adaptada para a nova geração, e isso não é de todo bom.

A brutalidade que fez falta

A primeira temporada foi um marco: equilibrando fidelidade e expansão, The Last of Us se firmou como uma das melhores adaptações de videogame da história. Tinha peso, tinha intimidade e ousava tocar em temas complexos com sensibilidade. Já nesta nova leva de episódios, apesar das boas decisões narrativas — como a escolha de mostrar personagens mais racionais e menos impulsivos — o que salta aos olhos é a ausência do que o jogo tem de mais poderoso: sua brutalidade.

Não se trata de violência gratuita. No game, a violência é banal porque o mundo se tornou banal. A morte acontece com frieza, sem grandes construções dramáticas, porque aquele universo exige isso. A maturidade narrativa do jogo se traduz em diálogos curtos, diretos e carregados de sentido. Duas frases bastam para dizer o que seria dito em um parágrafo. E essa economia de palavras dá espaço para silêncios, olhares, respirações — todos mais eloquentes do que longas exposições.

Na série, não é isso que vemos. As cenas, por mais tensas que pretendam ser, soam domesticadas. A classificação indicativa elevada parece existir mais por protocolo do que por consequência. Mesmo momentos-chave, como a morte de Joel — ainda que emocionalmente bem construída — carecem da brutalidade impiedosa que o jogo entrega sem vacilo. O sentimento de estranheza é inevitável: a cena funciona, mas parece deslocada, como se estivesse pedindo desculpas por ser violenta demais. Mas porque isso ocorre?

O novo público e a demanda por suavidade

Essa suavização não ocorre no vácuo. Um estudo recente da Universidade da Califórnia (UCLA), intitulado Teens and Screens, revelou que 47,5% dos jovens da Geração Z (nascidos entre 1997 e 2010) acreditam que o sexo “não é necessário” para a maioria das produções audiovisuais, enquanto 44% sentem que o romance é “usado em excesso” nessas produções. Além disso, 51% expressaram o desejo de ver mais conteúdo sobre relacionamentos platônicos e amizades. Essa mudança de preferência pode estar influenciando as decisões criativas em obras como The Last of Us, que, ao buscar dialogar com um público mais jovem, acaba por suavizar elementos centrais da obra original — como a violência e a frieza com que ela é tratada.

Embora ainda não haja dados conclusivos que apontem diretamente uma rejeição da Geração Z à violência nas narrativas, alguns estudos e observações de especialistas sugerem que essa geração, marcada por níveis mais altos de ansiedade e consumo constante de conteúdos digitais, tende a procurar por experiências audiovisuais menos intensas emocionalmente. Isso não significa que a violência tenha deixado de ser relevante, mas que ela talvez precise ser recontextualizada ou apresentada de forma menos gráfica para manter a atenção (e o bem-estar) de um público que se sente cada vez mais saturado.

A moralidade sempre foi cinza

O que sempre diferenciou The Last of Us no mundo dos games foi sua capacidade de lidar com dilemas morais complexos — quase sempre partindo de uma perspectiva emocional, e não racional. Diferente de outras obras em que o protagonista toma decisões altruístas ou tem seus erros suavizados pelas consequências brandas, aqui os personagens sofrem duramente por suas escolhas. Joel salva Ellie do hospital dos Vagalumes, exterminando quase todos os médicos e soldados presentes, e depois tenta viver uma vida pacata com ela na comunidade de Tommy. Mas essa escolha, motivada pelo afeto, o condena: anos depois, ele é brutalmente assassinado por integrantes sobreviventes daquele grupo.

Essa lógica de causa e consequência, guiada por impulsos emocionais, lembra diretamente Game of Thrones. Robb Stark, por exemplo, escolhe se casar com quem ama ao invés de cumprir um acordo político — e termina morto numa emboscada armada por seus aliados. Tanto Joel quanto Robb tomam decisões por amor, seja ele paterno ou romântico, e ambos pagam com a vida. O mundo de The Last of Us nos lembra que a morte pode ser banal e abrupta, como é em qualquer realidade dura. Não é uma punição narrativa: é uma constatação.

Mesmo diante de um apocalipse zumbi, as ameaças mais marcantes vêm do ser humano. Os fanáticos religiosos que perseguem personagens como Yara e Lev, o exército dos lobos, a tensão racial, de gênero e de orientação sexual — tudo isso constroi um retrato do ódio, que Neil Druckmann, diretor do game, apontou como o verdadeiro tema central de TLOU2. É um mundo onde o ódio se propaga como vírus e onde, no fim, a vingança nunca preenche o vazio, apenas amplia o abismo emocional dos personagens.

Durante a pandemia de COVID-19, quando o jogo foi lançado e este texto original foi escrito, já havíamos ultrapassado a marca de 100 mil mortos no Brasil. Pensar em como o jogo aborda a banalidade da morte e o egoísmo humano tornou-se ainda mais incômodo. Porque The Last of Us nunca foi sobre monstros, mas sobre a nossa capacidade — e escolha — de sermos humanos, mesmo diante da barbárie. Maquiar isso com cenas fofas e diálogos expositivos, não parece certo.

A tensão entre fidelidade e adaptação

No fim, não é sobre atuação. Bella Ramsey continua sendo uma escolha certeira como Ellie, entregando momentos de vulnerabilidade e intensidade que sustentam a trama. Mas sua performance, assim como outras boas decisões criativas da temporada, merecia uma moldura mais corajosa, mais comprometida com o peso da história que está sendo contada.

The Last of Us não precisava suavizar. O jogo já nos mostrou que o público aguenta — e, talvez, até precise — enfrentar o desconforto. O mundo real já é cruel demais para que a ficção pós-apocalíptica nos trate com infantilidade.

.

Texto escrito por:

Lucas Almeida

[email protected]

@lucasalmeidapa

Deixe seu comentário

×
Cinemação

Já vai cinéfilo? Não perca nada, inscreva-se!

Receba as novidades e tudo sobre a sétima arte direto no seu e-mail.

    Não se preocupe, não gostamos de spam.