Série de Percy Jackson sofre para empolgar
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Com protagonista apático, série de Percy Jackson sofre para empolgar

Existe muita coisa em jogo quando falamos de Percy Jackson, muito mais do que se pensa. Quando analisamos uma franquia infanto-juvenil multimilionária, com mais de 10 livros e várias continuações, prequels e tie-ins, fica fácil presumir que o negócio é certo, uma adaptação que acertará em cheio e que fará milhares de criancinhas acompanharem ano após ano a evolução do personagem principal. Foi assim com Harry Potter no começo dos anos 2000 e de lá pra cá todo estúdio se esforça pra repetir o mesmo fenômeno. Uma franquia de soft-fantasy que prende a atenção de fãs leais ao redor do mundo e que todo ano rende lá seus 700 milhões de dólares. Parece fácil, parece certeiro adaptar qualquer outra YA e esperar o mesmo resultado daquela confluência de fatores do início do século, mas não é bem assim.

Em 2024, é a vez da Disney se arriscar nessa roubada. E novamente, devo admitir, não conseguem nem de perto chegar no mesmo patamar atingido pela Warner Bros. E não é por falta de aviso.

Percy Jackson, série de livros criada pelo autor Rick Riordan, já foi alvo do mesmo problema exatamente na época em que Harry Potter estava em seu auge cinematográfico. Com erros grosseiros de adaptação e um tom completamente alucinado, perdido, os dois primeiros filmes capitaneados por Logan Lerman foram um desastre de recepção crítica (e também dos próprios fãs). Houve sim alguma empolgação, o primeiro longa intitulado “Ladrão de Raios” foi mediocremente decente na bilheteria global e conseguiu de alguma maneira holística angariar recursos para uma continuação . Mas na sua sequência, tudo desabou de vez.

Haviam muitos problemas na transposição dos livros para o cinema. Passando a perder a essência inata da franquia literária de expressar ingenuidade aventuresca, fantasia e leve terror místico, os filmes simplesmente só levaram consigo o puro carisma de Lerman e de seus co-protagonistas. Devo dizer que também eram muito bem ambientados, tinham um bom orçamento e também um muito carismático elenco de apoio.

Já em 2024, “Percy Jackson e Os Olimpianos”, nome completo do projeto da Disney, sofre para conseguir melhorar sua reputação.

O protagonista Percy Jackson é vivido por Walker Scobell, que já de começo é um poço de antipatia e honestamente dizendo: um péssimo ator. A série moderna, mais nova adaptação de Jackson vinda dessa vez diretamente do próprio autor Riordan (com a ajuda do showrunner Jonathan E. Steinberg, de Black Sails) é uma requentada versão dos livros que parece ter sido feita de última hora, na correria, e com péssimas escolhas em quase todos aspectos possíveis.

O primeiro episódio é criativamente precário, muito pouco imaginativo e conforme já disse, nos apresenta um protagonista vivido por um ator apático, sem vontade nenhuma. E a série nem mesmo tenta disfarçar isso. São raros os closes de reação em Scobell quando temos algum diálogo em cena, preferindo sempre acertadamente focar nas atuações muito mais decentes de seus companheiros. Realmente uma escolha terrível da direção de elenco e que pode ter afetado seriamente o desenrolar da série como um todo.

Ao contrário de Scobell, seus companheiros Grover e Annabeth estão em perfeita sintonia. Os dois atores – Aryan Simhadri como Grover e Leah Jeffries como Annabeth – carregam nas costas o próprio protagonista. Pena que também não dão muito o que fazer pra eles.

A série começa mal e tem um segundo episódio promissor mas que logo cai novamente na aridez de ser uma adaptação tão literal e fiel dos livros – problema já típico de escritores que querem ser roteiristas. Por ter vários episódios, o escritor/roteirista tende a regredir o plot, dando tempo desnecessário para detalhes que entediam a audiência e fazem o arco principal da história perder momentum.

E quando decididamente chegamos até a sequência principal do episódio, o ritmo acelera de maneira brusca, sem manter qualquer equilíbrio tonal ou mesmo de edição. Um dos graves pecados de séries baseadas em livros é exatamente esse, saber o que manter, como manter e como dinamizar o que foi mantido.

A mesma coisa acontece em algumas outras adaptações de livros feitas por seus próprios autores, cito aqui o caso já mencionado da franquia de JK Rowling, quando ela decidiu escrever por si mesma os filmes de “Animais Fantásticos”.

Quando o autor tem uma mão tão forte no projeto como Riordan tem nessa série de Percy Jackson, é óbvio que a série se transforma mais em uma literal transposição – incólume aos devaneios do livro e por conseguinte tediosa em substância – do que em uma aventura dinâmica e cativante.

Outro problema que me incomoda na série é a aparente falta de cuidado com a ambientação da fantasia. O próprio acampamento Meio Sangue, tão excêntrico e enorme nos livros, aparece como um simples set genérico e pobríssimo na série da Disney, como se fosse um cenário de uma esquete do SNL. As locações características do universo místico de Riordan também aparecem com poucos detalhes, priorizando talvez a questão urbana mais do que a fantasia. Outro erro grosseiro. Pra onde será que todo aquele dinheiro da Disney foi? Supostamente um dos maiores orçamentos do streaming e que não se vê nada na tela além dos decentes efeitos visuais dos monstros e dos poderes emanados pelas crianças semideusas.

O elenco de apoio da série é bom, com o pouco aproveitado Jason Mantzoukas, o breve mas cativante Lin Manuel-Miranda e o soturno Glynn Turman. A direção modelo de James Bobin (Os Muppets) nos dois primeiro episódios é até que decente, tirando, claro, a parte em que não consegue injetar qualquer tipo de animação em seu protagonista.

Ainda, falo tudo isso tendo visto somente a primeira metade da série. Mas pelo que foi mostrado até agora, “Percy Jackson e os Olimpianos” é mais um erro de adaptação. Enquanto os filmes antigos erraram por serem extrovertidos demais, a primeira metade da série erra por ser indolente, tediosa e genérica. Torço para que a derradeira leva de episódios seja uma ascendente na trama e que cale a minha boca.

Mas enquanto isso, continuo curioso pra saber como talvez irão corrigir esses erros nas outras tantas temporadas que o estúdio presumidamente planeja fazer. O ator principal simplesmente não se mostrou apto e esse pra mim é o maior desafio da Disney. Se nem sequer nos sentimos cativados pelo herói que supostamente deveria ser o mais interessante, o que será da série quando depender dele pra continuar anualmente trazendo de volta o público alvo que quer acompanhar o crescimento do personagem através do ator?

Ficaremos sabendo das respostas muito em breve.

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