Eu Cinéfilo #61: Canção ao Longe (2023)
Do silêncio até o primeiro som existe uma imensidão. É desse espaço que surgem o vazio,
o desconforto e o desconhecido. Em uma perspectiva intimista, Clarissa Campolina constrói
uma história que carrega consigo muitos questionamentos. É no silêncio que os seus
personagens se jogam para tentar encontrar algum som que os leve para uma luz no fim do
túnel. As dúvidas do passado, as questões que pesam no desconforto ali no presente e a
incerteza do futuro são as margens de pressão que a narrativa nos mostra. Mas ao que
parece, quando todos os créditos terminam de subir, é que ao se jogar nesse silêncio dos
personagens, nós não conseguimos sentir os barulhos que cada um leva dentro de si na
mesma intensidade que uma canção em uma janela ecoa para nas ruas vazias de uma
cidade.
Jimena (Mônica Maria) é uma mulher que busca incessantemente achar um lugar que lhe
caiba. De todos os lugares que ela entrou e precisou ficar pareciam pequenos demais para
o seu tamanho, até que as paredes começaram a rachar e a desmoronar. Com um pai que
precisou ir embora para encontrar o seu canto no mundo, Jimena se vê perdida na ausência
paterna e na solidão de uma mulher negra em meio a mulheres brancas. A personagem
vive em uma casa que não se sente representada, seja pelas aparências, ou até mesmo
pelas dores. Muitas vezes precisou reafirmar que não era adotada, por sua mãe (Margô
Assis) e a sua avó (Matildi Biadi) serem brancas e com personalidades tão distintas da sua.
Nessa caixa em que moram, Jimena tenta buscar em outros lugares algum espaço para que
seus anseios sejam cessados.
O seu contato com o pai é dado por cartas, letras que não conseguem mensurar nenhum
tipo de visualidade, não mostram como é o quarto em que ele vive ou a vista da janela.
Jimena se sente angustiada por não saber sobre o seu pai. Tenta encontrar no sebo em que
ele trabalhou algum resquício de memória que possa ter deixado, mas nesse passado ela
só consegue encontrar o silêncio. O não pertencimento a esse mundo que ela consegue
enxergar é tão grande que parece transbordar na tela. A sua voz calada pelos cantos de
conversas tenta demonstrar a sua mente inquietante. Como se ali dentro soasse uma
orquestra que de longe conseguiriam ouvir.
Clarissa Campolina traz aqui nesse filme muitos planos com os personagens em perfil,
olhamos para apenas um lado dos seus rostos e ficamos curiosos para saber o que há do
outro lado. É nessa curiosidade pelo desconhecido que o filme vai seguir. Tentar encontrar a
história que o pai de Jimena está vivendo, descobrir qual lugar que ela vai se encontrar e
quais paredes ela vai precisar derrubar para atravessar para o outro lado da sua vida.
Porém, a narrativa abusa excessivamente do silêncio dos personagens, os usa para que
com a boca fechada a gente consiga escutar cada batida das suas incertezas. Mas o que
não foi verbalizado foi o que caiu na imensidão, e era desse detalhe que nós precisávamos
para entrar em cada história que nos foi mostrada. Me senti longe, bem distante desses
personagens que parecem carregar tantos barulhos dentro de si, que não pude, mesmo
ansiando, sentir de perto a canção mais triste que eles poderiam me cantar.
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Texto escrito por:
Valter Davi