A tendência das séries fast-food - Cinem(ação)
A tendência das séries fast-food: um olhar sobre o consumo atual de seriados na era dos streamings
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A tendência das séries fast-food: um olhar sobre o consumo atual de seriados na era dos streamings

Poucas coisas são tão importantes ao contar uma história quanto saber o momento de parar de contá-la. Começar é, não raro, a parte mais fácil – é sempre no encerramento que mora o maior desafio. Na era dos streamings, iniciar uma história nunca foi tão simples: o que não faltam são plataformas em busca do novo sucesso que irá atrair milhões de espectadores em um curto espaço de tempo, para logo tornar-se um dos assuntos mais discutidos nas redes, obedecendo ao prazo de validade de uma semana. Cada vez mais, o formato que nasceu na televisão e hoje nos streamings figura como um dos mais queridos pelo público, tem se tornado um produto, tratado como uma commodity, com histórias cada vez menos inventivas. Mas seria isso um sintoma do desinteresse do público ou uma ausência de bons contadores de histórias?

Em muitas séries recentes, a prioridade tem sido agradar aos fãs, o famoso fan service, e claro, o retorno financeiro que vem com isso. Não raro a história deixa de ser o mais importante e começa a andar em círculos, com arcos repetitivos e tramas que se perdem no meio do caminho, deixando passar a oportunidade de serem finalizadas de forma coerente. É claro que a ideia de prolongar seriados que já carecem de sentido em si mesmos não nasceu com os streamings, basta observar as longas temporadas de séries famosas da televisão como Supernatural ou Grey’s Anatomy, em que a última já caminha para a incríveis 19 temporadas. No entanto, é nos streamings que a problemática vem se reinventando e trazendo consigo não apenas um debate sobre quantidade x qualidade e a monetização em cima desse esvaziamento, como um pensamento reflexivo sobre a perda cada vez mais notável da habilidade de criadores em encerrarem suas histórias de maneira satisfatória – ou da audiência de exigi-las.

Afinal, o que fazem séries inesquecíveis se não encerramentos memoráveis? Não é apenas o excesso de oferta dessas obras em streaming que geram esse processo de saturação e esvaziamento. É, também, a ausência de interesse da indústria (talvez um pouco do público, também) no desenvolvimento de histórias mais densas, personagens mais complexos e invenção de mundos inteiramente novos, que possam ir além de meras repetições, e nos toque com maior honestidade e menos superficialidade. O ponto de partida para essa reflexão, para mim, foi a experiência única de ter assistido Família Soprano durante seis meses, logo após a chegada da HBO Max no Brasil. Considerada por muitos uma das maiores séries da história da televisão, o final em aberto e uma dinâmica marcada pela ausência de cliffhangers me deixou curiosa. Em um mundo cada vez mais ansioso pelo próximo capítulo, eu dava o play no episódio seguinte sem pressa. Não era urgente, se fazia era apenas pela pura e genuína vontade de continuar. Podia ser hoje ou amanhã, não importava. Era sincero.

Em Sopranos, as pontas são amarradas em um roteiro engenhoso, brilhantemente referenciado em si mesmo e bem intrincado ao longo de seis temporadas. Isso é único na história da televisão – mas ainda mais raro se você estiver acostumado à era do streaming. É menos sobre a urgência de comentar e avaliar, e mais sobre a contemplação dos arcos dos personagens, apenas pelo interesse construído ao longo do vasto estudo que existe em muitas temporadas os observando. Em Mad Men, igualmente, fui guiada durante incríveis sete temporadas, movida pelo interesse nos arcos bem desenvolvidos de cada personagem e pelo meu apego sincero à história. Em ambas situações, não me decepcionei com os rumos que as séries tomaram, me vi completamente convencida de que não havia outra saída que não a que fui apresentada. Isso sim é um encerramento brilhante: o que não deixa brechas. São séries inesquecíveis com finais inesquecíveis.

Assim penso que, um pouco diferente de bons filmes, boas séries jamais podem existir sem boas histórias. Boa direção ainda pode salvar uma boa história quando falamos de filmes, mas dificilmente uma boa direção salva uma série com uma história ruim. Em seriados, estamos falando de episódios, temporadas, anos e anos de construção de personagens, seus arcos e suas tramas, e para isso é essencial que o roteiro seja o principal foco para um desenvolvimento coerente e satisfatório. É necessário que exista quem saiba iniciar histórias, mas melhor ainda, quem saiba encerrá-las. O que diferencia uma série com prazo de validade de uma série marcante que resiste aos efeitos do tempo como Família Soprano, Mad Men e Breaking Bad, é a forma como roteiristas conseguem desdobrar uma situação inicial aparentemente simples de um piloto em algo exponencialmente mais complexo sem perder o controle.

Afinal, quem poderá dizer que se esqueceu do final de Breaking Bad? Com certeza uma quantidade bem menor de pessoas do que as que irão dizer que se esqueceram do final de La Casa de Papel. Eu mesma já não lembro mais o final de Round 6, e acho que posso dizer com certa segurança que parte significativa da audiência também terá dificuldade em lembrar quando a próxima temporada chegar na plataforma, emplacando por uma mais semana o top 1 no ranking. São séries com prazo de validade pré-determinado, descartáveis desde seu princípio e, irremediavelmente, esquecíveis. Não importa o sucesso que façam na sua estreia, em breve é certo que serão apenas mais uma “trend” das redes sociais, jamais parte integrante da história a ponto de serem verdadeiramente relevantes.

Em contraponto às séries fast-food, cada vez mais o número de minisséries tem crescido nas plataformas de streaming, mostrando existir uma tendência louvável pela escolha desse formato mais breve, no entanto com o objetivo de preservar a qualidade das histórias. Nesse sentido, não há muito mistério: quanto menos se prolonga uma história, maior a possibilidade de se obter sucesso ao encerrar a mesma. Existe uma quantidade muito maior de minisséries aclamadas, como Chernobyl, Cenas de Um Casamento, Gambito da Rainha, Olhos Que Condenam, dentre outros exemplos, do que de séries aclamadas que se prolongam indefinidamente. A nível de exemplo, Big Little Lies foi um sucesso de crítica e público na primeira temporada, mas já não conseguiu se manter na mesma situação com a segunda. O mesmo com O Conto da Aia, que foi perdendo força à medida que perdeu o domínio sobre a própria história.

Para os próximos anos, para além de uma maior quantidade de minisséries, existe algo que se pode aproveitar de séries que antecederam a existência do streaming mas que souberam qual o segredo para se manterem relevantes: ter domínio sobre a sua própria história. Assim, nosso interesse no formato em meio ao mundo ansioso de hoje em dia poderá ser ressignificado como algo que vai além do entretenimento pelo entretenimento, abrindo caminho para a criação de novos marcos televisivos, precedente que já vem sendo aberto com séries como Succession e Ozark. Indo para sua quarta e última temporada, Ozark é um exemplo de série que assume a posição corajosa de encerrar sua própria história quando assim faz sentido e, mesmo diante da aclamação do público e da crítica, reivindica o precioso momento de encerrar sua história com justa coerência.

A tendência é que, ao menos nos streamings, minisséries e exemplos de exceções como Ozark sirvam como opção para aqueles que sentem saudade de uma série bem construída, com início, meio e fim. E talvez isso explique que não se trata de um problema único aquele que estamos enfrentando. A crise criativa acomete todos os setores da indústria, e talvez não pela escassez de bons criadores de histórias ou de um público menos ávido por elas, mas pela possibilidade infinda de monetização desses grandes sucessos efêmeros, o que realmente culpo pelo evidente investimento em massa em histórias repetidas e o apelo dos reboots e remakes, apenas pela certeza de que nos vencerão mais pela nostalgia do que pela qualidade. De todo modo, sigo com esperança de que possamos testemunhar novos marcos na história do formato, nem que para isso seja preciso que mudemos nosso olhar para melhor aproveitar histórias e construções precisas, sem que a necessidade quase patológica da “renovação” seja sempre nossa maior prioridade.

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