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Crítica: A Natureza das Coisas Invisíveis

A Natureza das Coisas Invisíveis
Direção: Rafaela Camelo
Roteiro: Rafaela Camelo
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 2025
Elenco: Laura Brandão, Aline Marta Maia, Camila Márdila, Larissa Mauro.
Sinopse: Duas jovens se encontram em um hospital e formam uma amizade improvável. Suas experiências compartilhadas as levam a uma jornada emocional repleta de perdas, despedidas e percepções pungentes sobre a vida.

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Em seu primeiro longa-metragem, premiado antes mesmo de nascer com o Cabíria de Melhor Roteiro, a diretora Rafaela Camelo desenha um passeio entre a vida e a morte — interpelado por uma natureza exuberante e acolhedora. Em A Natureza das Coisas Invisíveis, duas meninas se conhecem em um lugar inusitado para crianças: um hospital. Durante as férias, a protagonista de 10 anos chamada Glória (Laura Brandão) acompanha a mãe (Larissa Mauro) no trabalho como enfermeira quando uma nova paciente chega para mudar tudo.

A câmera, sempre muito perto dos corpos, emula o olhar de uma criança sobre o mundo. Sempre intensa e imediatista, a sensação é incômoda nos primeiros minutos, mas logo acostumamos e os closes passam a fazer mais sentido. É curioso também o nível em que a diretora escolhe enquadrar essas personagens, algo que faz parte da mesma escolha consciente do filme de retratar os acontecimentos sob uma perspectiva infantil. Desse modo, o mundo é inteiramente das crianças e nós somos os convidados para adentrar uma percepção que muitos de nós abandonamos há algum tempo.

Imagens de santos e de pessoas que já se foram, procissões noturnas, vultos, plantas e bichos simbolizam o misticismo que predomina como um personagem deste filme. Aqui, a natureza das coisas invisíveis diz respeito à intangibilidade do que habita o nível espiritual. Como brasileira, Rafaela percebe e valoriza a nossa ancestralidade e suas múltiplas origens, desde os povos originários, até os povos africanos e a influência do catolicismo. A morte é uma passagem das mais bonitas, um ponto continuando e nunca um ponto final.

O oculto se manifesta por meio dos planos-detalhes, mas também por outras imagens mais sutis e menos óbvias, como o belíssimo enquadramento em dupla exposição onde as duas crianças refletem no vidro com a personagem de Aline Marta ao fundo, lutando pela vida na cama do hospital, ao som do aparelho de monitoramento cardíaco. Nessa cena, as meninas refletem sobre a morte com a inocência típica dessa fase da vida, mal assimilando a profundidade do assunto.

A todo momento a direção evoca a presença da natureza, mesmo dentro de um hospital que não poderia ser mais díspar em sua natureza inerentemente artificial e estéril. O sopro da vida aparece pela primeira vez com maior intensidade em uma cena em que as duas mães solo conversam em uma sala com cobogós ao fundo por entre os quais deixa passar o verde das plantas lá fora. A conversa das duas evolui rapidamente, do estado de saúde da personagem de Marta até a empatia profunda que ali surge entre ambas, o que faz a mãe de Glória topar mudar-se temporariamente para uma fazenda no interior do Goiás na mesma semana.

Ao chegarem no interior, o verde invade a tela de vez e o aprofundamento dos vínculos parece se voltar ao ciclo da natureza, obedecendo a ordens naturais de causa e efeito. Entre mãe e filha, entre amigas, entre corpos, entre a vida e entre a morte. Até o que poderia passar como confuso ou deslocado da realidade, é tão carregado de sensibilidade que acaba se tornando crível. Isso faz de A Natureza das Coisas Invisíveis provavelmente o melhor filme brasileiro que vi este ano até o momento.

Não tão simples de executar, mas faz parecer que sim. Transmite a leveza e também o peso das relações familiares na passagem da primeira infância para a adolescência, é um coming-of-age que como todos os filmes do gênero que são bons, sabe equilibrar as questões mais íntimas e difíceis do amadurecimento com reflexões mais comuns sobre a vida que podem se encaixar em qualquer idade a qualquer tempo.

O filme tem previsão de estreia nos cinemas para o dia 27 de novembro.

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