Crítica: Cloud – Olhar de Cinema 2025
Cloud
Direção: Kiyoshi Kurosawa
Roteiro: Kiyoshi Kurosawa
Nacionalidade e Lançamento: Japão, 2024 (Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba)
Elenco: Masaki Suda, Kotone Furukawa, Daiken Okudaira, Amane Okayama, Masataka Kubota, Masaaki Akahori, Mutsuo Yoshioka.
Sinopse: Yoshii revende produtos na internet. Ele compra barato para vender caro, caro demais. Aos poucos, cada vez mais clientes sentem-se prejudicados e se unem para fazê-lo pagar o preço. Em “Cloud”, Kiyoshi Kurosawa, um dos cineastas japoneses mais cultuados pelo mundo, segue apurando seu estilo em um thriller de ação de ritmo próprio.
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Cloud: mais de vinte anos depois de Pulse, Kurosawa usa filme de criminalidade banal para falar de neoliberalismo e sociedade hiperconectada
Tem um certo humor quase não intencional em Cloud, filme de Kiyoshi Kurosawa que estreia no Brasil no festival Olhar de Cinema. Momentos em que a gente ri não da graça construída de algo, mas do absurdo da evolução da situação deste protagonista.
Um homem comum japonês que decide ganhar um dinheiro extra a partir de uma quase contravenção mínima que embora não chegue a quebrar nenhuma lei em especial, flerta o tempo todo com limites de moralidade. A revenda superfaturada de itens que ele compra aqui e ali em um site de leilões na internet.
A intencionalidade do humor vem da construção paulatina desta banalidade que o empurra para uma espiral deste flerte de contravenção. O absurdo é construído. Na trama tanto quanto na forma. Em um filme que parece se modificar em estilo acompanhando a “escalada criminosa” de Yoshi.
Em um momento, um ato de violência bruto com um estrondo seco culmina num silêncio pesado interrompido somente pelo som de um punhado de cartões de crédito caindo no chão. A gente ri de nervoso. Desse protagonista que encarna um criminoso patético. Uma mente maquiavélica com o micropoder de saber usar um computador minimamente bem. Personagem que aglutina em si essa imagem do japão capitalista que se afunda mais e mais em crises econômicas que não consegue superar.
As nuvens do título. Cloud. Kuraudo. Têm um subtexto de se referirem à nuvem da internet. Às informações salvas “na nuvem”. O ambiente onde ele comete suas infrações e seus “crimes”. Mesmo que no texto do próprio diálogo do filme, fique clara uma ideia de que as nuvens também são as nuvens escuras que se acumulam na cabeça dele. Aquela sensação quem faz algo errado e fica com medo da consequência virando a esquina.
(uma versão menos dramática do “calor” que De Niro descreveu para a eternidade em Heat.)
Por mais que o “crime” dele não seja diferente dos crimes do capital que acometem o Japão desde o fim da segunda guerra. Compra e venda. Revenda. Manipulação de preços. Especulação.
Mesmo os vilões que se revelam em algum momento como os agentes dessa perseguição concretizada não serem pessoas em busca de uma vingança por nada muito concreto. Mas sim por ficarem de fora. Por perderem a oportunidade de participarem. Por perderem uma boquinha nessa lógica perversa.
Formalmente, Kurosawa concretiza muito a partir do que ele sempre trouxe de melhor no seu cinema, especialmente pensando nas suas composições e no seu uso da posição dos atores em cena. Em momentos como um em que Yoshi e a namorada estão em um ônibus e a câmera gira de uma forma meio “improvável”. Em outros mais discretos em quadros que demonstram algo de desequilibrado no assistente dele. Mas também em outros mais diretos e mais abertos. Como aquele em que ele amarra uma porta com um pedaço de arame e uma figura mascarada surge do outro lado da janela de vidro batido da porta.
Mesmo nos momentos de um cinema de ação mais direto, o tiroteio bate com sons abafados, com momentos cômicos e uma certa desglamourização desta ação tradicional. Com tiros a esmo, inabilidade, fúria não filtrada de pessoas comuns com acesso a essas armas. (o que de algum jeito faz pensar no atentado que vitimou o ex-premiê daquele país há alguns anos)
Enquanto subtextualmente e pensando na sua carreira como um todo, o filme ainda traz de quebra algo que remete a uma de suas obras-primas, Pulse.
Lá, lidando com a sociedade japonesa na mudança millennial do acesso à web. Aqui, com um Japão (e um mundo) já mergulhados na ubiquidade da existência digital. Mas também ecoando coisas como esse aspecto fantasmagórico das pessoas normais e também o aspecto sinistro de uma cena em um carro “rumo ao inferno” que lembra muito outros momentos oníricos e de um certo pesadelo surreal.
Nota: 4 /5
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Texto escrito por:
Vincent Sesering