Crítica: Mountainhead
Mountainhead – Ficha Técnica
Direção: Jesse Armstrong
Roteiro: Jesse Armstrong
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 31 de maio de 2025
Elenco: Steve Carell, Jason Schwartzman, Cory Michael Smith, Ramy Youssef, Daniel Oreskes, Hadley Robinson, David Thompson, Ali Kinkade.
Sinopse: Um grupo de quatro amigos milionários se encontram durante a crise econômica global. Mas os magnatas da tecnologia fecham um pacto mortal: o dissidente do grupo deve desaparecer para sempre.
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Depois do sucesso de Succession (2018-2023), Jesse Armstrong, criador e roteirista da série da HBO, estreou em 31 de maio no canal fechado e no serviço de streaming, seu novo filme, Mountainhead, sendo também sua estreia na direção. Na superfície, o novo filme de Armstrong parece uma continuação expandida do universo de Succession, pois acompanha quatro bilionários em uma mansão nas montanhas geladas de Utah, em meio a um caos global, após o lançamento de uma ferramenta em uma rede social. O ingrediente principal é a crítica satírica da total dependência de governos e população da tecnologia criada por homens brancos poderosos do Vale do Silício, agora conhecidos como tech bros. No cenário montado, o real e o fake se tornaram inseparáveis.
Steve Carell é Randall, detentor de tecnologia de drones e armamentos ao redor do planeta, é também o mais velho do grupo, conhecido como papai-urso, pois foi o investidor inicial de todos naquela casa. O mais rico de todos, dono da rede social que está espalhando caos pelo mundo, Cory Michael Smith, é Venis, que parece ser uma mistura de Elon Musk com Mark Zuckerberg, só que mais inteligente que essas duas figuras, mas tão alucinado quanto. Ramy Youssef interpreta Jeff, talvez o menos delirante e o mais esperto, pois criou um tipo de IA capaz de servir a Venis para filtrar mentiras e verdades que estão colocando fogo no mundo através do empreendimento criado por ele. Por último, o mais pobre entre os ricos, Hugo, ou Sopão, papel de Jason Schwartzman, detentor de um app de meditação meio fracassado, mas com algum potencial.
Sem estabelecer essas funções, é difícil dar crédito à produção de Armstrong, pois tudo que será desenvolvido ao longo de quase duas horas é dependente desse entendimento. No início tudo é muito rápido, sem perda de tempo. No primeiro ato, acompanhamos pela TV ligada e comentários desses homens através do que veem na rede social, o caos do mundo especialmente no Sul Global ocidental, com mortes, linchamentos, Golpe de Estado e outras instabilidades institucionais. Descobrimos que Venis quer deixar o caos correr, como se acreditasse que dos levantes populares uma nova civilização se formaria. Randal, que está morrendo, está interessado em manter-se vivo, fazendo upload de sua consciência em supercomputadores, mas, para isso, precisa que Jeff venda sua tecnologia para Venis que, além de estabelecer um pouco de ordem no mundo, também criaria uma forma de manter Randal vivo, pelo menos na máquina.
São interesses e negociações que se desenrolam sem grandes solavancos, até a virada no meio do filme. Parece uma ficção científica, ao mesmo tempo que é sátira e terror. Os comentários feitos pelos três bilionários e o anfitrião milionário, dão conta de que eles vivem numa realidade paralela, seja pelo dinheiro na conta bancária ou pela própria imersão em um mundo que existe apenas pelo que veem na tela dos celulares ou dos próprios interesses. Em certo momento do caos, eles estão dividindo o mundo entre eles. A Argentina é “leiloada” depois de um golpe militar e Sopão é o novo comandante/consultor tecnológico. O humor do absurdo não funciona como deveria, pois a caricatura e a sátira não são bem dosadas, porém, é divertido ver como rifam a Argentina como se nada fosse.
A equipe de Succession está em peso. Além de Armstrong escrever, dirigir e produzir, parte da equipe técnica está de volta, contribuindo para a imediata comparação estética. A câmera na mão no estilo mockumentary, frases com aparência de improviso, proposital confusão geográfica das cenas, etcétera. Isso funcionou brilhantemente em Succession graças a carga dramática, mas nada disso tem serventia em Mountainhead, pois não tem dramaticidade o suficiente para sustentar as investidas proto-realistas do roteiro. A direção fica perdida na forma e, quando dá as caras na direção de atores, parece insegura e com dificuldade de equalizar o tom.
Cory Michael Smith é o personagem mais interessante graças ao fluxo delirantemente covarde de suas palavras e ações; Steve Carrell, o mais experiente, sofre com um desequilíbrio perceptível na atuação; Ramy Youssef parece mais solto, ao mesmo tempo que inexpressivo; e Jason Schwartzman faz seu clássico papel do deslocado e comentador das ações. São funções bem delimitadas, mas que não conseguem sair do limite imposto pelo roteiro que não parece saber direito aonde quer chegar com esses personagens. É uma reflexão da desimportância dos seres humanos e uma importância calculadamente superior para a manutenção desse poder que adquiriram. Os usuários somos nós, as mesmas pessoas que eles desprezam, mas precisam.
Embora as comparações com Succession sejam evidentes — se desvincular desse trabalho vai ser difícil para Jesse Armstrong —, além do dinheiro e poder institucional, nada mais se compara. São homens que não representam nenhum vínculo afetivo real, mas que medem seus falos a partir do patrimônio, e um tipo de patrimônio valorizado graças à financeirização promovida pelo capitalismo neoliberal. Olhando em separado, Mountainhead é um filme fraco, sem peso dramático e uma sátira cômica de pouco humor. A crítica à concentração de renda e poder fica na superfície e parece incompleta. Se olharmos num contexto maior, especialmente a partir do lançamento do Facebook — inclusive a HBO Max sugere após o fim de Mountainhead, o filme A Rede Social (2010), de David Fincher — a obra de Armstrong faz mais sentido, especialmente a partir do governo Donald Trump. Sem isso, vai se perder num catálogo de streaming que atira para todo lado.
Mountainhead, analisado fora do quadro, se soma a um debate importante sobre IA e direitos autorais, regulamentação das plataformas digitais e tem potencial para ser capturado pelo discurso do filme “necessário” ou o filme que serve de alerta para os riscos do poder tecnológico em poucas mãos. E tudo isso é verdade, afora o combustível explosivo dos comentários sobre misoginia, racismo e supremacia, que ficam largados entre ironias e cinismos. Mas apesar da “relativa importância” ao debate, Mountainhead continua sendo um filme pouco promissor. A estreia na direção de Jesse Armstrong se perde na forma, no conteúdo altamente introdutório e por vezes aleatório, mesmo com momentos divertidos de masturbação financeira. A reviravolta ao final, que poderia servir de crítica antropofágica do narciso, parece uma tentativa frustrada de encontrar rumo para algo cheio de disclaimers e com arestas a serem aparadas. No fim, tudo que há dentro do campo parece uma reflexão inacabada e desinteressante, mas depressiva o suficiente para nos fazer acreditar no fim do mundo.
Nota: 2 /5