Crítica: A História de Souleymane
A História de Souleymane – Ficha Técnica
Direção: Boris Lojkine
Roteiro: Boris Lojkine, Delphine Agut
Nacionalidade e Lançamento: França, 2024
Elenco: Abou Sangare, Alpha Oumar Sow, Nina Meurisse, Emmanuel Yovanie, Younoussa Diallo, Keita Diallo, Ghislain Mahan, Mamadou Barry, Yaya Diallo.
Sinopse: Souleymane é um ciclista entregador de comida em Paris e está em processo de solicitação de asilo. Ele tem dois dias para preparar sua história para uma entrevista decisiva para garantir residência legal.
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A etnografia é uma espécie de estudo dentro da antropologia no qual, para se ter uma análise completa de determinado grupo social, é preciso entrar nele. Conviver, compreender, estar inserido e sentir na pele como é fazer parte disso.
Essa construção teórica aparece com recorrência na história do cinema, especialmente em documentários, casos de “Edifico Master” e “Nanook, o Esquimó”. No entanto, ela também ganha o ar da graça dentro da ficção, ao ser uma espécie de desmembramento do tempo e espaço, em que o mundo que existe é apenas aquele analisado pela câmera.
A câmera de Boris Lojkine em “A História de Souleymane” reflete bem esse olhar etnográfico. Completamente centrada em seu protagonista, que dá título ao longa, ela integra através do vouyerismo o público como parte dessa vida e desse cotidiano. Isso se reflete desde a brincadeira da música ser diegética (em que o público e os personagens escutam) até nos cortes curtos dentro de sequências maiores, que são um tom quase de continuidade.
A opção de Lojkine por essa escolha narrativa dá um forte tom para Souleymane. Ele, um imigrante africano que chega a França e está a poucos dias de uma reunião para conseguir tirar visto definitivo no país. Ao mesmo tempo, aluga a conta em um aplicativo de entregas de alimentos.
É até curioso o fato da trama abraçar o seu curto espaço de tempo para contar tantas questões. Ao mesmo tempo que isso galga a narrativa a algo meio grande demais para uma produção pequena em tempo, também destrincha um protagonista – feito incrivelmente pelo ator Abou Sangare – como alguém nada simples, com um passado em que é até mesmo difícil de se compreender.
Aliás, parte dessa construção narrativa recorda até mesmo o filme “Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre”, de Eliza Hittman. Nele, há uma consolidação mais direta sobre o olhar feminino, mas também em uma figura complexificada, quase impossível de entender e que, na sequência final, se abre completamente ao espectador.
Se no longa de Hittman isso é melhor resolvido em termos dramáticos, aqui talvez essa eclosão de sentimentos faça mais sentido perante ao olhar de mundo desse personagem. É como se ele fosse destroçando cada vez mais e precisasse de um socorro de alguma forma, que aparece, em forma de “vômito” sobre quem ele é de verdade, na sequência final, quando Souleymane faz a entrevista para o visto.
Nesse sentido, há uma certa tensão para se “A História de Souleymane” também não passe do ponto na exploração da tragédia desse protagonista. Em uma espécie de “vouyerismo do sofrimento”. O filme chega em um limite, mas há um tratado interessante que se sobressai na câmera de Lojkine. Ela está menos interessada diretamente nos efeitos do corpo desse protagonista e mais em seu estado psicológico. Tanto que, sempre nos momentos mais intensos na trama, se volta a circunstâncias quase silenciosas, exigindo também um tratado de reflexão com o público.
Com isso, retoma sua visão etnográfica. Nessa jornada de uma história – em que sabemos muito pouco e nem sabemos a realidade completa – o que mais interessa é como essa figura enfrentou esses poucos dias para chegar até ali. Provoca uma mesma reação que um texto acadêmico vai buscar: e como você se sentiria depois disso?
Nota: 4 /5