Eu Cinéfilo #82: Vin Diesel x Tom Cruise: Quem Carrega o Legado dos filmes de Ação?
Existe uma cena emblemática em Missão: Impossível – Efeito Fallout em que Ethan Hunt salta de um avião em queda livre, atravessa nuvens, tromba com um raio e ainda salva um colega desacordado no ar. Agora pense em Velozes e Furiosos 9, quando Dom Toretto joga o carro numa corda e literalmente balança como Tarzan por um penhasco. A diferença entre as duas cenas? Uma parece absurda, mas funciona. A outra é absurda e parece um delírio coletivo. E essa diferença resume tudo.
Tom Cruise e Vin Diesel são dois ícones da ação moderna — mas caminharam por trilhas muito diferentes. Cruise virou sinônimo de precisão, controle e um certo tipo de loucura metódica (o homem se pendurou num avião de verdade). Diesel, por outro lado, virou o mestre de cerimônias da farofa com nitro: um cara que substituiu lógica por “família” e física por fé.
A franquia Missão: Impossível tem alma de cinema dos anos 80, mas evoluiu. Ela é filha legítima de Duro de Matar, Rambo, Comando para Matar, mas com um upgrade existencial. Ethan Hunt, em essência, é um herói clássico em tempos cínicos. Já Velozes e Furiosos começou como um derivado de Caçadores de Emoção com carros tunados e virou um Power Rangers com motor V8. E sim, isso tem seu charme também — um charme caótico.
Tom Cruise é o último dos moicanos da ação física. Ele não usa dublê, usa convicção. Não se esconde atrás do CGI, ele se joga de prédios. Ele não quer apenas entreter, ele quer provar algo — talvez até pra ele mesmo. Enquanto isso, Vin Diesel parece querer provar que a franquia dele também pode ser levada a sério. O problema é que, quando você tem carros voando no espaço e personagens ressuscitando mais que o Goku, a seriedade vira meme.
Se Missão: Impossível é um filme de ação com alma de ópera — cheia de temas como moral, ética, destino —, Velozes virou um circo de testosterona high-tech. E tá tudo bem. Cada um entrega o que promete. A diferença é que Cruise está em busca de transcendência e Diesel está preso na repetição. Um está correndo contra o tempo. O outro, contra o bom senso.
E talvez Vin Diesel deseje sim o respeito que Missão conquistou. Afinal, Missão: Impossível chegou ao oitavo filme sendo aplaudida de pé, com críticas calorosas e o status de “a melhor franquia de ação em atividade”. Já Velozes, apesar da bilheteira robusta, virou piada fácil. Um meme ambulante movido a gasolina e frases como “eu tenho família” repetidas como mantras de autoajuda.
O problema é que Cruise sempre foi um arquiteto. Ele planeja, pensa, repensa. A saga de Ethan Hunt foi lapidada como um diamante sob pressão. Já Diesel parece aquele cara que chega com um carro tunado na porta de casa e diz: “vamos ver no que dá”. O resultado? Um é precisão cirúrgica. O outro é caos patrocinado.
Nos filmes de Missão: Impossível, cada cena carrega uma tensão real. Porque você sabe que Cruise está mesmo ali, no limite. Em Velozes, a tensão vem da dúvida: “será que agora eles vão dirigir em Marte?”. A suspensão de descrença já foi explodida há cinco filmes, e agora é só festa. Uma festa que, sim, tem público fiel — mas que deixou de surpreender.
Ethan Hunt não é um super-herói. Ele é só um cara com culpa no coração, ética na alma e um vício incurável em salvar o mundo correndo. Dom Toretto é praticamente um semideus que tanca granadas com o antebraço e sobrevive a explosões com a força do afeto familiar. O primeiro te faz sentir algo. O segundo te faz rir — às vezes sem querer.
Cruise parece querer salvar o cinema de ação da irrelevância. Ele ainda acredita no espetáculo analógico. Ele é o cara que não aceita a aposentadoria dos ídolos. Diesel quer prolongar a festa até onde der. Um se despede com reverência. O outro se recusa a ir embora da balada. E entre os dois, o público decide o que prefere: catarse ou carnaval?
No fim das contas, Missão: Impossível é uma franquia sobre escolha. Velozes e Furiosos é sobre velocidade. Uma é movida a convicção. A outra, a combustível de foguete e memes. E talvez o que realmente diferencie as duas não seja o orçamento, nem o CGI, nem a bilheteira. É o fato de que uma delas ainda acredita que o impossível tem peso. A outra só quer ver até onde pode esticar o absurdo — sem freio, sem noção e sem pedir desculpas.
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Texto escrito por: Sérgio Zansk