Eu Cinéfilo #70: Duna Parte 2
Encontrar-se em meio a desencontros é uma questão de necessidade humana. Quando dois seres humanos se conectam em um momento de caos é inevitável que o impacto dilacerante de tal encontro seja maior que qualquer outro, justamente por uma questão de necessidade. O homem constantemente se busca, se coloniza, se apropria um do outro. Seja por amor ou ódio.
No cinema, o principal gênero cinematográfico que retrata a dinâmica intensa do contato entre humanos é o melodrama – junto do romance. O conceito de melodrama aqui utilizado faz jus à ideia do exagero emocional. Vindo do teatro, o termo se aplica a obras de cunho dramático com intuito de sensibilizar seu espectador com personagens e tramas, em grande parte romances, na qual se acumulam sentimentos e emoções de maneira exacerbada. O melodrama em formato de filme aqui analisado é interno a seus próprios personagens e na sua história, adaptada de um livro clássico, já com quase 60 anos de existência, esse movimento é constantemente revisitado e evoluído.
Duna: Parte Dois, é inegavelmente um blockbuster, um filme comercial, de grande apelo ao público e à crítica. Só por ser uma sequência isso já se destaca, mas é justamente no distanciamento ao seu predecessor que surge uma relevância maior a essa obra, que se destaca dentre esse meio por sua sinceridade. Adaptando de fato a obra de Frank Herbert de 1965, o filme é por essência um grande melodrama. Continuando a saga dos Atreides, sobreviventes de um golpe de estado dos seus rivais políticos, os Harkonnen, o filme narra em seu primeiro ato a brutalidade da sobrevivência em um espaço hostil em meio a uma guerra. Paul Atreides é o filho pródigo da Casa Atreides, o protegido de futuro promissor e considerado por locais do planeta como um possível messias de uma profecia. Todo o primeiro ato é focado na ideia da ação física, brutal, direta. O contato humano movido ao ódio, a vingança, extermínio. E aqui, no deserto amarelo de Arrakis, é só isso que se encontra.
Após sobreviverem aos ataques inimigos e chegarem com segurança a uma base nativa, começa um contato entre estrangeiros: Paul e sua mãe em contato aos Fremen, o povo originário daquele deserto. Ali, eles devem seguir seus caminhos em respeito aos costumes daquele povo. Um contato de troca, de um colonizador a colonizados. Em meio à construção social e política de seus personagens, neste momento a obra encontra sua força. Aqui Paul conhece de fato Chani, uma mulher Fremen que já de cara se interessa por ele, sem motivo aparente a não ser o destino. Aqui, aos poucos o contato se torna uma troca de conhecimentos, da cultura, da descolonização até enfim se firmar em uma troca de afetos, um romance. Clássico por essência. A direção de Villeneuve faz questão de evidenciar isso. São contrastes entre planos abertos destacando os dois sozinhos em meio àquela vastidão: suas silhuetas. A câmera se movimenta entre eles e seu afeto, em contraste com planos fechados e seus olhares para si próprios. A força desse contato humano é destacada pela imagem dos personagens, e seus atores convincentes em seus comportamentos. O cerne desse romance é o que move a narrativa até o terceiro ato. Paul e Chani se conectam cada vez mais. As profecias vão se concretizando e o destino de ambos vai se tornando inevitável, trazendo em conjunto as ideias de uma grande tragédia grega. Paul vai se tornando o messias prometido, o guerreiro da libertação daquele mundo. Porém, aqui ele se mostra não desejar tal destino, sabendo da sua iminência trágica e fatal. Tudo premedita seu fim. E para ele, o pior, o fim de seu contato e afeto com Chani.
Após liderar os Fremen rumo ao contra-ataque dos Harkonnen, Paul se distancia cada vez mais de Chani e se aproxima ao seu destino. Envolto em um corpo de blockbuster épico, a narrativa principal é interna. Exagerada, porém interna, sentimental. É no terceiro ato, na guerra final, derrotando até o próprio Imperador e seu campeão escolhido, o último dos grandes Harkonnen, Feyd-Rautha. O jovem se oferece como o próprio imperador ao propor casar-se com a filha do predecessor ao trono. É um plano específico que aborda a síntese da obra. Ao assumir seu papel definitivo como o messias de todos os povos, o Lisan Al-Gaib, Kwisatz Haderach, Muad’Dib. Todos se ajoelham perante ele, exceto duas. A filha do imperador, sua prometida esposa política, e Chani. Os três se olham. Tal qual uma grande novela melodramática. Sozinhos em pé. Os únicos que restaram daquela maldita profecia do fim. O falso messias. Sem amor. Só lhe resta o ódio.
A potência do melodrama e sua emoção possibilita aquele fim drástico e dramático dessa narrativa. Um encontro em meio a um desencontro de povos, de sentimentos, de premeditações, cada vez mais intenso. O próprio Paul, vendo o futuro, crente de que sua amada o perdoará ignora o presente, o fim aqui é definitivo. A última imagem é a de Chani partindo.
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Texto escrito por:
Felipe Vignoli