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Crítica: Ângela

Ângela
Direção: Hugo Prata
Roteiro: Duda de Almeida
Elenco: Isis Valverde, Alice Carvalho, Gabriel Braga Nunes, Emílio Orciolo Neto, Carolina Manica, Chris Couto, Bianca Bin, Gustavo Machado.
Sinopse: Após viver uma tumultuada separação e ser obrigada a ceder a guarda dos seus três filhos, a famosa socialite Ângela Diniz conhece Raul, e acredita ter encontrado alguém que ama seu espírito livre tanto quanto ela.

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Ângela busca através da boa atuação de Isis Valverde contar de forma rápida e com uma sensação episódica – pois escolhe pontuar brevemente momentos do desmoronamento da relação com Doca Street – do feminicídio que atravessou o Brasil em 1976. Ângela Diniz, socialite mineira, enfrenta uma profunda tristeza ao não conviver com os filhos, numa época em que para sair do casamento, no acordo judicial, a guarda das crianças ficou com o ex-marido de quem tinha se separado a pouco tempo. Esse fato é apresentado logo após uma introdução que buscou demonstrar a liberdade que Ângela desfrutava e a atenção que recebia de diversas pessoas, inclusive homens, por seu magnetismo, bom relacionamento na alta sociedade e beleza.

Na busca dessa retomada de alegria — se assim podemos chamar o que ela buscava — Ângela parecia tentar com muito custo, uma estabilidade que possibilitaria ter os filhos por perto. Como uma ‘’convenção social’’ da época, muito machista, diga-se de passagem, ela precisava estar casada ou minimamente com um relacionamento estável. Apesar do namoro com o colunista social Ibrahim Sued (Gustavo Machado), quem captura sua atenção é Raúl, papel de Gabriel Braga Nunes, que parece estar atuando no modo automático e sem grande inspiração. Raul era conhecido como Doca Street, e que por algum motivo que desconheço, o apelido, nome que o deixou mais conhecido, não é citado em nenhum momento ao longo da rodagem.

Esse relacionamento que nasce através de uma traição dele, logo se mostra uma relação violenta em que Ângela oscila nas várias tentativas de tê-lo por perto, ao mesmo tempo que quer se separar. O auge é uma briga violenta que ela consegue dar um fim definitivo, mas ele, violento e extremamente instável, não aceita e retorna para assassiná-la com 4 tiros. Todo esse caldo de violência, discussão e ciúmes são tratados como episódicos, e são jogados quase como flashs, da forma mais óbvia possível – ele bebendo e fumando sozinho – e pouco aprofunda na deterioração da relação dos dois que, da parte de Raúl, havia um ciúme doentio e uma inveja por Ângela desfrutar de uma liberdade frente a própria vida, apesar das amarras sociais.

Apesar da história amplamente conhecida, há méritos do roteiro em prender a atenção para acompanhar uma narrativa que já sabíamos o final. Talvez esse tenha sido o preço para tratar de forma episódica o desenvolvimento da relação dos dois e os personagens secundários. A necessidade em correr com os acontecimentos, apenas passando por eles de forma anêmica, quase como um checklist de coisas que precisavam ser abordadas, produziu uma sensação de apatia. Isso fica mais nítido pelas escolhas expositivas do roteiro que simplesmente coloca na boca dos personagens perguntas óbvias e respostas a obviedade. Por vezes o personagem está na tela apenas para dizer o que precisa ser dito, sem muito contexto ou background de como ele foi parar naquela situação. A escolha do recorte histórico na vida da retratada minou qualquer possibilidade de desenvolver algo além da pontuação episódica de fatos.

A direção de Hugo Prata é capenga e abusa de recursos de montagem sem propósito como o fade out. Cena de alguns segundos mostrando Raul angustiado ou pensativo, tela preta e um novo dia renasce. Faltou organicidade na ligação dos acontecimentos, e a direção não soube como contornar esse problema, o que piora a sensação episódica. Há um desbalanceamento que acompanha a rodagem e oscila entre a superexposição – filmada de forma óbvia – e a falta de alternativas para a conclusão. A decupagem carente aumentou o atrito entre a passagem do tempo que parecia ser necessária, já que ditava a intensidade do apaixonamento entre os dois.  

Ao assistir Ângela, por várias vezes o curta-documentário ‘A entrevista’, da cineasta brasileira Helena Solberg, feito em 1967 vinha a cabeça. Apesar do filme se propor a contar a história de Ângela e seu assassinato, o que ela pensava e entendia do seu lugar no mundo é completamente ausente. No curta de Solberg, em 20 minutos, ela consegue colocar diversas falas de mulheres que relatam sua relação com o casamento, com a feminilidade, com o sexo e com a moral, sobrepostas a uma filmagem de outra mulher se vestindo de noiva. Ao longo de quase 2 horas, Ângela não nos apresenta quase nada de quem ela era, do que pensava e de como entendia a cultura da sua época. A ausência de um contexto histórico e um maior desenvolvimento de sua personalidade, parecem ter resumido Ângela à mulher que foi assassinada pelo seu companheiro e apenas isso.

Ângela se beneficia de excelente atuação de Isis Valverde que tira leite de pedra para o material que tinha em mãos, e entrega bem o olhar vazio e melancólico da sua personagem. A direção inexperiente e o roteiro medíocre, ainda conseguem largar migalhas minúsculas ao longo do caminho que nos façam acompanhar essa história já conhecida pelo seu final trágico. O recorte limitado do período de vida de Ângela, minou qualquer potencial de criatividade e desenvolvimento da personagem, e essa escolha errada dos realizadores, se concretizou num filme fraco, pouco sensível e repleto de oportunidades perdidas. O Brasil violento, autoritário e machista ficou resumido a um texto minúsculo nos créditos contando a pena risível de Doca Street após o assassinato de uma mulher que apenas queria viver sua vida e desfrutar da pequena liberdade que ela podia.

  • Nota
2

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