Crítica: Homem-Aranha: Através do Aranhaverso
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Crítica: Homem-Aranha: Através do Aranhaverso

Homem-Aranha: Através do Aranhaverso – Ficha técnica:
Direção: Joaquim Dos Santos, Kemp Powers, Justin K. Thompson
Roteiro: Phil Lord, Christopher Miller, Dave Callaham
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 1º de junho de 2023
Sinopse: Continuação do filme Homem-Aranha: No Aranhaverso, de 2018, o filme acompanha Miles Morales, que é transportado para uma aventura épica através do multiverso, e deve unir forças com a mulher-aranha Gwen Stacy e um novo time de Pessoas-Aranha, formado por heróis de diversas dimensões.
Elenco: Shameik Moore, Hailee Steinfeld, Brian Tyree-Henry, Luna Lauren Velez, Jake Johnson, Oscar Isaac, Issa Rae, Daniel Kaluuya, Mahershala Ali.

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Em um subgênero cada vez mais fatigante, que vez após outra pede mais e mais de seu espectador ao apresentar roteiros mirabolantes e megalomaníacos sem nenhum tipo de profundidade, Através do Aranhaverso é quase que um trabalho milagroso. Em pleno ano 2023, um filme de herói chegar aos cinemas com tanto frescor e imaginação é certamente um acontecimento raríssimo que precisamos discorrer sobre.

Vindo de uma primeira iteração que já balançou as rédeas da indústria do cinema em 2018, sendo um longa lançador de tendência que originou inúmeras outras produções com o mesmo estilo revolucionário de animação, a franquia desde o começo já mostrava ser disruptora. Disrupção não só no seu aspecto visual – que pela primeira vez na telona mesclava um 2D saturado com técnicas 3D de animação moderna – mas também principalmente na representação de uma história completamente inédita no gênero já desgastado que é o da adaptação de quadrinhos. Pela primeira vez vimos na telona um Homem-Aranha negro e com aventuras e desafios totalmente diferentes de tudo que já presenciamos nesse universo Marvel em específico. Tudo isso veio embalado em um roteiro muito bem-humorado de Phil Lord (sem sua dupla Chris Miller no primeiro) que, não se dando por satisfeito, ainda alçou a história de Miles Morales em um plot interdimensional que só se havia visto antes nas páginas das HQs. Dali em diante, a animação foi a responsável por fazer Kevin Feige e companhia tentarem replicar o conceito de multiverso em seus próprios live-actions, na opinião de alguns (aonde me incluo), de um modo bem aquém do desejado no MCU.

Se pararmos para pensar, o primeiro filme de Morales já é um feito enorme. Já é um marco inescusável na história da animação e um ponto sem retorno na linhagem dos filmes de herói. Então, como poderiam de alguma maneira tentar SUPERAR esse sarrafo na sequência sem deixar o produto obsoleto ou maçante?

O “como” eu posso somente tentar decifrar, mas certamente o desafio foi superado com louvores.  Através do Aranhaverso já de cara subverte as expectativas apresentando outros lados da história, nos aprofundando sobre personagens que no primeiro filme talvez tenham ficado em níveis rasos e nos mostrando os paralelos narrativos que cada personagem agrega à trama.

Dessa vez, os protagonistas do filme têm camadas mais esparsas e motivações ainda mais relevantes. Pros críticos do livreto no primeiro filme, Phil Lord, Chris Miller e Dave Calahan agora escrevem quase que uma tragédia shakespeariana, progredindo os heróis do filme lentamente em rumo a acontecimentos fatídicos e imóveis na linha do tempo. Aliás, é tudo questão de tempo. O filme me parece ser construído com um cronômetro já ativo na contagem regressiva para o nosso herói Miles. Ele corre contra o tempo e consequentemente contra a tragédia anunciada. É um exercício de roteiro ainda mais incrível quando se leva em conta que cada um dos quase 10 personagens da trama principal tem sua própria versão do tempo e que cada uma delas irá supostamente convergir em escala ultra dimensional.

O tom do filme também está impecável. Mais uma vez o humor de Lord e Miller transborda na tela. Mais especificamente, dá pra notar de modo claro que a escolha e a construção do vilão foram tiradas diretamente do cérebro dançante de Phil Lord, nos lembrando muito de personagens maléficos do próprio Lord em Clone High ou Anjos da Lei. Apesar da comédia, o filme não se deixa levar somente por esse artifício, e conforme mencionado acima, algumas vezes se transforma em algo trágico, um drama familiar. Não querendo muito entrar em spoilers, mas o próprio vilão do filme evidencia muito bem essa mescla muito bem feita de gêneros. O personagem vivido por Jason Schwartzman começa de um modo totalmente diferente do que termina. Ele é com certeza um dos destaques de Através do Aranha-Verso, mesmo com um número menor de aparições do que os “mocinhos”.

Falando em destaques, outro personagem que saltou aos olhos foi o anti-herói Miguel O’Hara (Homem-Aranha 2099), vivido por Oscar Isaac. Em alguns momentos me lembrou até uma versão John Wick do papel, algum meio termo entre Liam Neeson e Lex Luthor que serve como um amargurado movimentador da história. Todo o plot que permeia Miguel O’Hara é muito bem escrito. Basicamente a franquia baseia sua futura inteireza nos ombros do personagem e conta com ele para levar o nosso herói até o final profético. A performance de Oscar Isaac é dura e concisa, mas que exala sensibilidade quando o roteiro demanda. Perfeita adição ao elenco.

Talvez meu único problema com a produção tenha sido mesmo a maneira como escolheram terminar a história neste filme. Ainda falando sobre o roteiro (e atenção aqui se não quiser receber spoilers leves) é uma pena que tenham deixado a conclusão pro derradeiro terceiro filme. Completamente entendo as razões pra terminarem essa segunda instalação com esse chamariz, e sei que esse tipo de conclusão está em evidência em Hollywood (com Fast X e Missão Impossível replicando o mesmo formato de clifffhanger em 2023), mas mesmo assim não consigo sair da sala de cinema sem aquele gostinho de quero mais, uma sensação de experiência incompleta.

Apesar de achar que o final é um EXCELENTE plot twist que agrega ainda mais valor no terceiro filme, eu tendo a preferir que esse tipo de ferramenta narrativa seja implementada somente em séries ou produções mais facilmente consumidas.

Porém, tirando esse ponto negativo, com certeza Através do Aranhaverso merecidamente se encaixa na mais alta prateleira do cinema este ano. É uma sequência que amplia em todos os níveis a qualidade do primeiro. Tem ainda mais surpresas e fan service, mas nada que afete a qualidade do roteiro. Tem ainda mais ação e viagens pelo multiverso – com um visual completamente renovado e que deixa qualquer um de boca aberta – mas nada que tire tempo do drama. E tem ainda mais humor e acidez, mas que não afeta o tom mais taciturno e shakespeariano que o resto do filme pela primeira vez apresenta. É uma renovação no estilo dos filmes de super-herói, uma aula textual de como construir uma franquia (e expandi-la) e uma exibição obrigatória para todos os amantes de cinema em 2023.

  • Nota
4

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