Crítica: A Luz do Demônio
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Crítica: A Luz do Demônio

A Luz do Demônio
Direção: Daniel Stamm
Roteiro: Robert Zappia
Elenco: Jacqueline Byers, Virginia Madsen, Colin Salmon
Sinopse: Em A Luz do Demônio, as ocorrências de possessão demoníaca aumentaram nesses últimos anos, de acordo com o Vaticano. Para ajudar a combater o crescente números de casos, a Igreja decidiu abrir uma escola voltada a treinar padres aptos para praticar exorcismos. A Irmã Ann está entre os alunos da escola, e, apesar dela ser uma das únicas mulheres na escola, ela acredita que seu destino é realizar exorcismos. Quando um professor sente seu dom especial, permite que ela seja a primeira freira a estudar e dominar o ritual. Sua própria alma estará em perigo, pois as forças demoníacas que ela luta contra, revelam uma conexão misteriosa com seu passado traumático.

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O empoderamento feminino e as discussões sobre a luta da mulher por espaço diante das organizações patriarcais é um tema abordado de forma cada vez mais ampla e direta no cinema contemporâneo pós movimento “me too”, seja na verbalização através dos diálogos ou como elemento primário que move a trama. O Terror sempre foi, particularmente, um gênero dos mais interessantes para que tais questões fossem discutidas, algo que parece existir pela própria natureza da configuração de seus tropos, com a protagonista feminina como sobrevivente final – a final girl – em produções mais comerciais, geralmente no cinema slasher, ou no terror psicológico, como visto em clássicos como O Bebê de Rosemary (1968), ou Possessão (1981).

Se dentro dessas configurações temos as questões do male gaze e da fetichização do corpo feminino, e se a leva recente de produções em Hollywood utiliza o progressismo apenas como mais uma configuração – desta vez a do algoritmo, a realidade é que a junção do empoderamento feminino com o terror de exorcismo feita neste A Luz do Demônio se torna atraente justamente porque as discussões sobre a culpa e o profano que caracterizam e definem muito do terror religioso apenas se intensificam diante de um filme que se passa, em grande parte, numa escola que tem como objetivo treinar padres para praticar exorcismos, e que possui como protagonista uma freira, a irmã Ann (Jacqueline Byers), que recebe a chance de ser a primeira mulher exorcista.

A possibilidade de riqueza temática apenas cresce diante das relações de Ann com outras personagens femininas presentes no filme, da psicóloga vivida pela grande Virginia Madsen, passando por uma freira autoritária, e uma garotinha com a qual a protagonista desenvolve um elo maternal. O passado de Ann dialoga com alguns desses temas pois lida com a culpa atrelada a uma noção cristã em relação à maternidade e ao significado de ser mulher. Não importa, aqui, que o espectador possa julgá-las como um moralismo retrógrado; a protagonista acredita neles, portanto devemos julgar os desdobramentos de sua jornada como parte de seu arco de redenção com a mesma fé que ela.

Quando o filme se enfraquece, é justamente por não explorar, de fato, as possiblidades temáticas citadas acima. Dirigido por Daniel Stamm (do bom O Último Exorcismo) e escrito por Robert Zappia, A Luz do Demônio possui competentes sequências de construção de tensão e sustos, mas o filme não se escora totalmente em tais exageros. Existe uma dedicação não ao espetáculo das ações, mas sim nas reações que elas causam em Ann. É uma escolha louvável diante das pretensões de se atentar à culpa da protagonista, mas quando o filme não banca a escolha desse caminho desenvolvendo as relações que mais importam, temos uma obra sem foco, na qual a maioria de suas partes são competentes, mas o todo se torna mediano por nunca se adentrar – ainda que assuma – em alguma delas completamente.

Existem, então, alguns filmes mais interessantes no bom A Luz do Demônio: um sobre uma mulher conquistando seu lugar num ambiente dominado por homens, um sobre a aceitação e libertação da culpa, e outro um terror mais protocolar de exorcismo – nenhum deles desenvolvido o suficiente para que a obra possa ser considerada excepcional. A volta da psicóloga de Madsen ao final para uma rápida conversa com Ann trás o questionamento do que foi deixado na sala de edição em prol de um filme mais “redondinho” de exorcismo diante dos padrões comerciais. Ao final, o filme reconhece todos esses elementos que permeiam a trama em nota de resolução (existe um gancho ao final), mas o que valida essa resolução é justamente o que se explora no miolo do filme e que poderia ser melhor explorado aqui – a culpa,  o trauma e o luto que justificam a catarse do exorcismo, e de um notável filme sobre exorcismo.

  • Nota
3

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