Crítica: Lady Bird (2017)
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Crítica: Lady Bird (2017)

Se o singelo movimento cinematográfico “mumblecore” – são filmes de baixo orçamento, com a utilização flexível de roteiro, mescla de atores e não-atores, que se preocupam clinicamente em acompanhar o jovem adulto moderno e sua tentativa de adequação no mundo imediatista e exigente – tivesse uma rainha, sem sombra de dúvidas seria a Greta Gerwig. Seus trabalhos em parceria com o Noah Baumbach personificam os principais conceitos que o sustentam, a maioria referente à passagem do jovem em busca da adultização. A vida que caminha em direção oposta ao que a sociedade projeta aos ventos como padrão, principalmente norte-americana. O maior representante é Frances Ha (2013) uma obra inspirada por diversos clássicos da nouvelle vague que acompanha o caminho de uma moça entregue a vida e sendo por ela condicionada; sem amarras, senão, pelo próprio aprendizado existencial.

Lady Bird

Enquanto nomenclatura, confesso que o mumblecore me parece desnecessário. Visto que desde muito tempo filmes com essa vertente desprendida são realizados e, portanto, se torna desnecessário um nome que tenta criar uma diferenciação.  No entanto, creio no seu significado. Explico: a famosa geração grungedos anos noventa despertou a mensagem real e forte de que os tempos mudaram, as necessidades sociais são outras e os problemas, consecutivamente, também passaram por evoluções. Com isso, o envelhecimento passou a ser conduzido por uma infinidade de dilemas relacionados, diretamente ou não, unicamente com a experiência pessoal diante dessas mudanças. É comum, hoje, aceitarmos adultos sendo mais infantis do que os antepassados; jogar videogame, por exemplo, é uma prática muito mais adulta do que antes. O mercado e a sociedade aceitaram o fato de que não termos mais preconceitos com as diversas atividades e como elas, hipoteticamente, dividem as crianças, jovens e adultos.

A responsabilidade que exige esforço descomunal parece ter ficado à mercê dos nossos pais, isso não inferioriza a palavra, muito menos torna irrelevante a postura da nova geração, somente ilustra como os significados metamorfosearam conforme os anos. É desse modo que “Lady Bird” (2017) se exibe, com dilemas profundos e uma perspectiva nitidamente feminina sobre o ato de libertar-se. O filme é capaz de provar em segundos como palavras são modeláveis diante às interpretações e de que modo a idade compõe o quadro da vida.

Se por um lado Lady Bird (Saoirse Ronan) desprende-se das amarras da sua família, por outro é completamente fadada à ela. E essas amarras são como o líquido que percorre gerações, o cuidado extremo, a instabilidade emocional, a incomunicabilidade e, principalmente, a preocupação sobre o futuro, são todos frutos da vivência e não há nenhuma possibilidade de julgamentos, afinal, somos filhos de nossas experiências.

É possível pensar em “Lady Bird” como uma obra que representa com perfeição a metade mulher que sonha em ser metade pássaro. A protagonista ama o colorido da vida, mas seu sonho é refletido no filme como uma bela e confortável casa azul. Essa cor demonstra tranquilidade, equilíbrio, estabilidade emocional, todos elementos que envolvem sua família, principalmente a mãe, a qual a menina teima em se diferenciar constantemente.

Mais amargo do que se tornar “adulto”, é aquele momento onde você consegue visualizar essa etapa da vida no horizonte, quando cada segundo que passa funciona como peças de um quebra cabeça onde é preciso ter tudo definido. Sonhos, relações, profissão, estudos, enfim, a ordem plenamente desorganizada é a demonstração de fracasso. Em um mundo de aparências, pessoas que não pensam e praticam isso diariamente se tornam seres que recusam a sua identidade, o nome que os seus pais lhe deram e buscam, na maior inocência onírica possível, um codinome que represente a sua alma.

“Cristina é um bom nome”

Visualmente há diversos trabalhos metafóricos com as cores, no terceiro ato a tinta branca que preenche o rosa da parede do quarto da personagem central, esconde sua história até aquele ponto, significando um momento que marca a transição para, não a vida adulta, mas uma longa experiência de ir se sentindo como adulto. Uma menina desaparece e com isso a aceitação da sua origem, pois a força não se encontra necessariamente de onde ela veio, mas sim para onde escolherá ir.

“Lady Bird” (2017) é um filme que se apoia no roteiro e consegue se destacar com facilidade desse modo, pois universaliza temas e prioriza a mulher. Greta Gerwig manifesta mais uma vez a sua habilidade como escritora e dialoga com a empatia dessa jornada solitária de auto-compreensão, seja emocionalmente ou psicologicamente. Por fim, é lindo notar como ela necessita de jovens atores para transmitir o que sente, nesse ponto, Saoirse Ronan, Timothee Chalamet e Lucas Hedges se destacam enormemente e transformam esse filme em uma obra extremamente especial e que dialoga perfeitamente com a geração atual e as frustrações causadas pelo crescimento.

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