Crítica: Kissed (1996)
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Crítica: Kissed (1996)

Tratar de temas polêmicos é sempre complexo pois muitas vezes eles falam por si e é necessário conter o tema, ao invés de criá-lo desde o princípio. Isso porque, como sempre, o espectador carrega consigo suas experiências, interpretações e conhecimento, e no que tange o tema necrofilia existem muitos filmes de terror mas poucos que prometem uma avaliação precisamente psicológica e humana – aqui há a romantização como elemento extra.

A etimologia da palavra necrofilia deriva de “νεκρός [nekrós], “morto”, “cadáver”, e φιλία [filía], “amor”” e, entre os estudiosos, é tida como uma das parafilias mais complexas pois se trata de uma violação de uma série de barreiras éticas. A primeira é a distância entre o corpo e vida, passando pela submissão e silêncio, culminando na manipulação do cerne da divisão entre vida e morte, onde a identidade do sujeito falecido (e violado) perde-se em meio à sua total inércia. Avaliando psicologicamente, essas barreiras representam inúmeras possibilidades de estudos, visto que desde a antiguidade a prática de necrofilia estava vinculada à comunicação com os mortos e o seu renascimento (DIAS, 2016).

O filme canadense Kissed (1996) não é explicitamente um estudo psicológico, ainda que o faça por meio de cenas simbólicas e diálogos, todas estritamente vinculadas à poesia, mas utiliza a personagem Sandra Larson (Molly Parker) como veículo para o limiar entre a doença e a magnitude de posse, visto que ao passo que se entrega gradativamente ao desejo, a protagonista perde sua humanidade simbolizada pelo interesse romântico (vivo) que a venera mas não se adapta à sua necessidade.

Sem a pretensão de ser contido, o longa começa apresentando Sandra ainda criança, fascinada com a morte e tocando-a a cada oportunidade, manipulando com as mãos o limite da vida e o corpo. As narrações em off pontuam com precisão a poesia da sua mentalidade – ora, se existe tamanha proximidade pois as narrações são em primeira pessoa, logo, as atitudes da protagonistas são transmitidas sob o seu olhar e sensação, transformando o monstro em uma pluma entregue aos seus instintos que, por sua vez, tentam encontrar justificativas poéticas-sensoriais – unificando conceitos de modo que o espectador possa investigar sua mentalidade fora da perspectiva individualizada, como um embate entre a linguagem (narrações) e ética.

A quietude do corpo sem vida é o elemento crucial para compreendermos qual a instância do desejo, o prazer transando com a não-verbalização, com a falta de demonstração, com o gélido. A protagonista se vê perdida no corpo mas apagada quando se confronta com sangue; e se ela permanece viva, rejeita-se ao passo que cultiva a extinção.

É como se a personagem, filmada constantemente em closes, em sua mentalidade auto devastadora, imaginasse a si como uma guardiã da travessia, como o último objetivo de uma vida apagada. A morte está nos seus olhos, não no coração. Essa dubiedade fica nítida quando um homem se apaixona por ela mas se vê distante, como se somente ele tivesse prazer carnal e um vínculo emotivo. Ele tenta desesperadamente se adaptar nessa condição, mas é imutável, seu coração ainda palpita e a paixão pulsa em sua carne. A ciência de que sendo, permanecerá distante, faz com que projete a reminiscência de que por trás da vida, existe resíduos imóveis; eis que calar-se é a solução, a transição entre amar e desejar. Vice-versa, você, corpo versado visto de verso e visse. Somos corpos nus. Nossas almas vagam (?) enquanto o corpo permanece nesse verso (você) calado.

O amor é o anseio pela transformação e a vida se transformará em morte.

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