Crítica: Assim Como no Céu - 45ª Mostra de São Paulo - Cinem(ação)
Crítica: Assim Como no Céu - 45ª Mostra de São Paulo
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Crítica: Assim Como no Céu – 45ª Mostra de São Paulo

Assim Como no Céu – Ficha técnica:
Direção: Tea Lindeburg
Roteiro: Tea Lindeburg
Nacionalidade e Lançamento: Dinamarca, 2021 (45ª Mostra de São Paulo)
Sinopse: Final do século 19. Lise tem 14 anos, é a mais velha entre os irmãos e também a primeira da família a frequentar a escola, o que a enche de esperanças para o futuro. Porém, quando sua mãe entra em trabalho de parto, a garota não demora a perceber que algo está errado.
Elenco: Flora Ofelia Hofmann Lindahl, Ida Cæcilie Rasmussen, Palma Lindeburg Leth, Anna-Olivia Øster Coakley, Flora Augusta.

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“Deus tem planos para você”. “Seja feita a vontade d’Ele”. “Que deus proteja a todos.” A presença de Deus na vida das mulheres que habitam o dinamarquês Assim Como no Céu (Du Som Er I Himlen) fica clara, já nos minutos iniciais, pela quantidade de vezes que a figura divina é mencionada. Estamos no final do século 19, e a garota Lise (Flora Ofelia Hofmann Lindahl), de 14 anos, está contente com a oportunidade de se mudar do vilarejo onde mora com a família em direção ao seu futuro nos estudos, algo visto como incomum pelas pessoas que moram no local. A oportunidade de estudar é inconcebível para as mulheres da época. O papel delas é fazer o trabalho de casa, cuidar das fazendas, preparar a comida e tomar conta das crianças. O ressentimento dos moradores diante da oportunidade que se apresenta para a garota é evidente, com as mulheres mais velhas reiterando o quão inútil são estes estudos, enquanto o pai de Lise não esconde o desgosto. A mãe, grávida, insiste: Deus tem planos para a garota. Quando a mãe de Elise entra num trabalho de parto cheio de complicações, a partida da protagonista começa a ficar incerta, e a pressão de perpetuar o papel ingrato incumbido para essas mulheres de geração em geração começa a tomar conta de Elise.

Exibido na Competição Novos Diretores da 45ª Mostra de SP, o primeiro longa metragem da diretora Tea Lindeburg – e também escrito por ela – se revela como um esforço notável, de direção segura e visão criativa muito clara. A tensão crescente que permeia obra é sentida não através de arroubos estilísticos mais evidentes, e sim de um controle muito grande dos mecanismos utilizados para criar essa sensação. Da trilha sonora às atuações encabeçadas pela ótima Du Som Er I Himlen, dos diálogos contextuais mas nunca excessivamente expositivos da questão divina à fotografia que não abusa de simbolismos visuais, Assim Como no Céu é uma obra de equilíbrio muito evidente.

Sugerindo o caráter divino que permeará e influenciará as decisões de todas as figuras presentes no filme já na cena inicial, na qual presenciamos o sonho em que Lise observa uma iminente tempestade vermelha com gotas de sangue que caem sobre sua pele – imagem que prontamente estabelece uma situação de presságio apocalíptico oriundo da bíblia – Lindeburg explora essa culpa cristã sentida a todo tempo por sua protagonista. Através dessa força onipresente utilizada pelos mais velhos para punir, todas as ações de Lise – brincar com crianças, flertar com um garoto, pegar o prendedor de cabelo da mãe e um episódio em que a garota revela uma parte de seu corpo para um menino – são encaradas como motivo para que a garota sinta culpa pelo destino da mãe, que recusa o médico após acreditar que Deus lhe mandou, também, um sinal através dos sonhos.

Momentos como este se tornam recorrentes em Assim Como no Céu, onde seus personagens tomam atitudes irracionais e autodestrutivas baseadas – moldadas – nos sinais dessa crença. A vida da matriarca está em jogo, mas o médico não é chamado pela superstição do sonho. Elise pegou emprestado o prendedor de cabelo da mãe, portanto acredita que merece ser punida.   Essa sensação de iminência, do inevitável, está presente por todo o filme, onde percebemos, nessa sociedade misógina, que esse patriarca máximo é a maior figura masculina da obra, o Ele com “E” maiúsculo. Por Ele se vive, e para ele as contas e culpas são prestadas.

Assim, a falta de livre arbítrio de Lise é sentida antes mesmo que sua partida daquele lugar seja ameaçada. Os trágicos momentos que caminham em direção à conclusão resultam num plano geral final que, tornando a garota numa figura minúscula enquanto cuida do rebanho no campo, explicita o ingrato papel atribuído a ela, um papel em que lhe é negado o poder da escolha, mas principalmente o de poder viver.

  • Nota
4

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