O legado de Jurassic Park no mercado internacional - Cinem(ação)
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O legado de Jurassic Park no mercado internacional

Há 28 anos, estreava nos cinemas o novo e aguardado blockbuster do diretor Steven Spielberg “Jurassic Park”. Com uma trama envolvente, o longa oferecia o que existia de melhor na tecnologia disponível na época e, junto a busca incessante do cineasta por planos e contra planos que dessem real emoção aos personagens e ao público, vem se tornando um clássico dos anos 90.

No entanto, o artigo a seguir não se compromete a explorar o longa de Spielberg aos moldes tradicionais, mas sim chamar a atenção para um outro impacto causado pelo filme no mercado internacional, sendo o ponto de virada de muitas conquistas que vimos nos últimos anos nos prêmios Oscar.

O domínio de Jurassic Park no parque exibidor sul-coreano

O que o Brasil viveu em 2019 com um dos filmes da franquia “Vingadores” sendo lançado em 90% do parque exibidor do país, os sul-coreanos tiveram que lidar com o lançamento de “Jurassic Park”.

Para quem não sabe ou não se lembra, os anos 90 na Coreia do Sul foram bastante determinantes para o sucesso audiovisual que viria a seguir. Sem políticas públicas fortes, o país se tornou um celeiro de domínio estrangeiro, fazendo com que o filme de Spielberg reinasse soberano por longos três meses.

Isso fez com que o setor tivesse um market share de apenas 2,1% à época, o que gerou uma perda de aproximadamente 1,5 milhão de carros Hyundai para o PIB.

Sem imaginar o impacto econômico que viria a seguir, a ocupação do produto estrangeiro no mercado cinematográfico do país levou as autoridades a pensarem com urgência legislações para protegerem suas empresas nacionais e uma indústria que seria chamada de “economia do futuro” mais tarde em sua era digital.

Pensando nisso, o governo sul-coreano elaborou a criação do Fundo Setorial do país, mas diferentemente do que ocorreu (e ainda ocorre) no Brasil, colocou a indústria audiovisual como porta de entrada de investimentos.

Com o país colapsado economicamente e um histórico de produções audiovisuais desde os anos de domínio japonês (1910-1945), as grandes corporações viram valor em dedicar sua produção em benefício ao setor cinematográfico, o que representava também um avanço tecnológico do país já pensando na virada do século anos mais tarde.

A crise econômica asiática e a política da internacionalização do audiovisual

Em 1997, o continente asiático viveu uma crise econômica que fez com que o governo sul-coreano repensasse mais uma vez as estratégias ligadas ao audiovisual local, ainda mantendo a visão de que a economia criativa significava um ciclo de inovação.

Foi na necessidade de impulsionar mais uma vez o crescimento do país que o presidente Kim Dae-jung manteve sua confiança no setor e abriu a possibilidade de outras empresas sul-coreanas investirem no audiovisual, dividindo um espaço que antes era mais restrito aos conglomerados comumente chamados de Chaebols, empresas comandadas por uma família.

O que chama a atenção, entretanto, é a concentração de esforços para que o país conseguisse exportar seus produtos, realizando um programa de internacionalização que gerou um grande apelo para a cultura local e fez com que a Coreia do Sul chegasse nos anos 2010 com um expressivo market share de 57%.

O programa de internacionalização sul-coreano segue um conceito que é estimulado até hoje com os novos players de mercado, representado pelas plataformas de streaming. Por meio de políticas de cotas de conteúdo, o país conseguiu garantir que seu produto fosse não só visto pela população, como também viu a importância de adaptá-los em outros idiomas para a comercialização.

No entanto, vale ressaltar que o processo de estímulo dessa política pública não acontece da noite para o dia, é importante pensar também no quanto a Coreia do Sul, desde o “boom” de Jurassic Park em seu mercado, restringiu a entrada de títulos internacionais.

Censura ou valorização da indústria nacional?

Sempre que se fala em “restrição”, “cota”, “regulamentação”, de imediato se pensa em censura, o que é algo bem errado a se fazer e que, por si só, esvazia o verdadeiro significado da palavra.

Pensar no problema causado por Jurassic Park ter sido o único filme em cartaz em todo um país nos faz refletir sobre a falta de políticas expressivas para controlar a entrada de filmes internacionais também no Brasil.

Atualmente, o Brasil é um dos países latino-americanos que mais permitem a entrada de títulos estrangeiros sem cobrar nenhuma contrapartida de investimento dessas produções.

Valorizar no papel que o país é o segundo maior mercado cinematográfico do continente é muito pouco, na prática, essa banda acaba tocando diferente. Coreia do Sul e Brasil implementaram políticas de crescimento audiovisual na mesma época, entretanto, 28 anos depois, os brasileiros ainda estão nos bastidores.

Não foi da noite para o dia que Seul se tornou uma importante cidade para filmagens dos blockbusters mais tradicionais de Hollywood. Não há razão para buscar outras locações fora do seu país se você não sabe o que esperar de retorno dela no espectro financeiro.

Muito além de uma Film Commission atuante, esse movimento de investimento na capital do país começa com a valorização do espaço do conteúdo nacional através das cotas de conteúdo. São 80% de espaço reservado para o produto sul-coreano na TV aberta, 50% para pay TV, e um espaço de pelo menos 73 dias que o filme nacional precisa estar nos cinemas.

Em 28 anos desde que essas políticas começaram a ser valorizadas e estimuladas, o filme sul-coreano acaba passando muito mais do que 73 dias em cartaz por gerar lucro aos cinemas e ter uma boa procura pelo público.

Para que os Estados Unidos lancem mais filmes do que o estipulado pelo país, é preciso investir na indústria nacional, abrindo um caminho certo para a internacionalização do produto em um mercado que sempre foi valorizado pelo tio Sam, afinal, a Ásia está servindo de fundo para vários filmes norte-americanos há muitas décadas.

Mas e o Brasil nisso tudo? Mesmo com filmes brasileiros dando lucros exorbitantes para os cinemas, tivemos a retirada abrupta dos nossos títulos em benefício do blockbuster hollywoodiano 25 anos depois da promulgação da Lei do Audiovisual em 1993.

Falta de investimentos na internacionalização gera um mercado mais fraco

Muito se debate, hoje em dia, sobre os avanços que o audiovisual brasileiro conquistou desde a década de 90. Parte desta reflexão se deve ao fato de estarmos embarcando em um novo modelo de mercado atuante (streaming) e vivendo um desmonte cultural promovido pelo governo atual.

Para não dizer que estamos completamente de volta aos anos 90 no audiovisual, ainda conseguimos garantir um protagonismo internacional das nossas obras e furamos a bolha, de vez em quando, em ter projetos nos maiores mercados cinematográficos.

No entanto, com a abertura que tivemos no início dos anos 2000 com o final do governo FHC e início da era Lula, esquecemos de promover políticas de apoio à internacionalização como aconteceu com a Coreia do Sul.

A falha nessa visão estratégica hoje nos cobra com juros: recentemente, tivemos o anúncio de que a Star+, serviço de streaming da Disney para conteúdo de classificação etária mais alta, irá produzir 66 novas obras em território latino-americano. Essa seria uma grande notícia se a distribuição não ficasse restrita ao continente e fosse global, assim como a plataforma opera em outros mercados como o europeu.

O domínio estrangeiro em nosso mercado, muito estimulado pelas próprias lideranças do governo, nos joga novamente no temor que Jurassic Park promoveu na Coreia do Sul há quase 30 anos.

Acho bastante emblemático trazer essa reflexão e pensar se realmente avançamos tanto nos últimos 28 anos a ponto de conseguirmos ter uma indústria amplamente sustentável.

Claro que o peso da figura nefasta de Bolsonaro atrapalha entender que avançamos, sim, mas não cuidamos da nossa casa para que ela não fosse tão destruída como está sendo neste momento.

O sonho de ser Coreia do Sul ainda persiste no imaginário de quem discute e formula políticas públicas saudáveis para o audiovisual, a questão é saber se restará uma via clara para que isso aconteça depois de deixarmos nossa porta aberta para tenta empresa estrangeira se acomodar sem gastar quase nada. Esse é o nosso próximo desafio.

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