Na volta a gente regula - Cinem(ação) - artigo sobre o streaming
Simplificando Cinema

Na volta a gente regula

Na última quinta-feira (20), o Congresso aprovou a MP 1.018/2020 que isenta as plataformas de streaming de contribuírem para o Condecine, arrecadação mais importante que alimenta o nosso Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). 

A Medida Provisória em questão entrou em tramitação no Senado Federal no fim da tarde desta terça-feira (25) e apesar de votação acirrada e do pedido de supressão da isenção por duas lideranças, o texto foi repassado para o Congresso com devidas ressalvas. 

Com a manutenção da isenção no texto da MP, os caminhos da regulamentação do streaming começam a chegar no objetivo anteriormente nebuloso, muito seguido pelo comportamento do parlamento uruguaio ao debater a nova Lei dos Meios de Comunicação, prevendo também maior concentração de capital e exclusão total de contribuição de grandes empresas para o audiovisual brasileiro. 

Tema recorrente da minha coluna, tive algumas outras oportunidades de mostrar como os efeitos da regulamentação dos novos modelos de mercado são importantes para a preservação de investimentos e o aumento da geração de renda e emprego em uma indústria que já movimenta R$ 27 bi do PIB por aqui.

Não ironicamente, nesta quarta-feira (26), logo pela manhã, tivemos o evento de lançamento do HBO Max na América Latina. Prometendo um grande catálogo e produções ao redor do mundo, peca na falta de simetria com o modelo norte-americano e não entrega o lançamento em simultâneo com os cinemas. 

Ora, o que mais os impede disso? Não era a insegurança jurídica que atrapalhava os investimentos mais prioritários para o Brasil? Essa guerra está quase ganha para eles, que gastarão o mínimo e ganharão o dobro, sem nenhuma contrapartida, tampouco diversidade de gêneros e realizadores para suas parcerias por aqui. 

Os malefícios dessa inércia ainda serão enormes e incontáveis para o nosso país, mas já podemos prever alguns: a drenagem de recursos para o FSA, tornando quase impossível a continuidade de investimentos e novas produções nacionais nas telas do cinema e da televisão. 

Consequentemente – e já muito agravado pela oferta do streaming – as contribuições das programadoras ao Condecine já não fará sentido na prática, uma vez que todas elas estão lançando seus próprios serviços ou presentes na fusão de empresas como é o caso do HBO Max. 

O fim do Condecine também significa falta de recursos ao Tesouro Nacional, e que são repassados para outras áreas de interesse da sociedade. Estamos falando aqui de uma perda financeira que irá afetar todo o país em cadeia e sua retomada pode ser ainda mais lenta do que da última vez, quando garantimos a criação da Agência Nacional do Cinema (Ancine). 

Comemorar a chegada do HBO Max hoje no Brasil é comemorar a venda de mais uma parte do mercado audiovisual brasileiro ao estrangeiro: é abrir mão de preservar a potência econômica presente dentro do título de segundo maior hub cinematográfica da América Latina. É não se importar com o protagonismo do nosso país em grandes festivais de cinema. 

Nosso Congresso agiu contra todos os prognósticos, em meio a maior crise sanitária do país, com uma CPI em curso e com diversos trabalhadores do audiovisual já desempregados ou em vias de desligamento – especialmente por contaminação do Covid-19, uma vez que muitos precisaram voltar a trabalhar presencialmente e os orçamentos já muito calejados não dão conta de fornecer uma boa segurança sanitária. 

Será mesmo que vale a pena pagar R$ 20,00 mensais para consumir o monopólio de uma empresa que insiste em não querer pagar o SeAC, mas corre atrás de melhorar seus serviços de streaming com uma estrutura cada vez mais robusta de internet?

A clássica frase de mãe, “na volta a gente compra”, cabe bastante para pensarmos na ilusão de acharmos que esse debate pode ser deixado para depois, que 19 projetos de lei ignorados na mesa do Congresso não definem o futuro do Brasil diante ao mercado da indústria dita como a economia do futuro. 

Assim como nossas mães, e muito bem colocado pelo meu colega Juliano Cavalca ao mencionar a frase que dá nome ao título: na volta a gente realmente regula? Eu acho que não.

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