O Horror 'Chapa Branca' de James Wan - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
Uma imagem do diretor James Wan
Artigo

O Horror ‘Chapa Branca’ de James Wan

Este vai ser um texto bastante pessoal, no qual vou emitir minha opinião sobre um grande elemento nos filmes de James Wan (que caiu nos braços do povo fã de Terror com a franquia Invocação do Mal). Não me levem a mal, gosto de muitos filmes que ele dirigiu e/ou produziu, inclusive o próprio universo de Invocação do Mal é algo muito bem pensado e enjambrado (melhor que o da DC). Porém, várias vezes, fico irritado com o quão “chapa branca” são seus longas e o quanto isso está totalmente fora do que representa o gênero na história do cinema.

Um dia estava num ônibus pensando por qual motivo eu comecei a gostar de terror e no porquê de ainda considerá-lo meu gênero favorito. Então voltei lá pra infância, na qual o grande fascínio pelo cinema de terror era por ser “proibido”. Todos quando crianças queriam fazer as coisas proibidas, sejam elas ficar acordado até de madrugada, assistir Linha Direta, ou assistir aos relatos sobrenaturais no programa do Ratinho/Gugu. O que era proibido era mais legal, e foi assim que nasceu minha paixão pelo gênero de Terror… exatamente por ser proibido. Depois veio a fase pré-adolescente/adolescente e com ela vem junto a masculinidade tóxica e a vontade de se provar sempre mais macho do que os colegas/amigos, isso acaba gerando dois tipos de rapazes:

– Os que falam que não gostam de filmes desse tipo pois são todos bobos e não dão medo;

– Ou aqueles que assistem muito filmes de Terror e diz que não tem medo de nada.

Eu era o de baixo. Assistia filmes de terror para falar coisas do tipo “Você ficou com medo desse? Ah, não, muito fraca. Dei risada” e coisas do tipo. Terror na adolescência acaba servindo para isso mesmo, afirmar a masculinidade perante os outros. Mas, então, depois de adulto, por que continuar amando esse tipo de filme? Vem a fase adulta e com ela a paixão pela sétima arte num todo. Vem leitura, estudo e pensamentos sobre todas as grandes obras da história. Mas o amor ao gênero não diminui nem um pouco, e na verdade aumenta. Motivo? O âmago do gênero é justamente criticar a sociedade e toda sua hipocrisia, e se tem algo que o Terror sempre fez muito bem em toda sua história – e que eu amo – foi quebrar os alicerces da família média e mostrar para ela que tudo que a sustenta é falso, fraco e muito fácil de ruir.

  • Em O Exorcista temos uma crítica a dogmas religiosos e o principal deles é o pecado sobre a sexualidade. A Igreja sempre foi conservadora em relação a sexualidade feminina e para ela é inadmissível que uma menina tenha contato com sexo, corpo humano ou qualquer coisa que o valha. Então o diretor William filma com maestria a cena em que a pré-adolescente coloca um crucifixo naquele lugar. Profanando um dos itens mais sagrados da religião justamente num ato de sexualidade.
  • Em O Iluminado foca-se bastante na figura paterna da família principal. Jake é o patriarca da família e aquele que deveria prover comida, segurança e amor para eles de acordo com nossos dogmas de uma sociedade patriarcal. Porém, Kubrick (ou King no caso do livro) mostra como essa figura paterna é extremamente perigosa e que o mal da sagrada instituição família pode vir de dentro dela e da figura que deveria representar o oposto. Algo parecido acontece em O Bebê de Rosemary.
  • Podemos também pegar carona em filmes mais recentes como o iraniano Sob a Sombra, onde o diretor Babak Anvari pega os alicerces religiosos iranianos e transforma isso no maior fantasma contra as duas protagonistas mulheres (mãe e filha). No quanto elas sofrem por essa sociedade teocrática ter uma outra ideia do que deva ser a vida de uma pessoa de bem.
  • A Bruxa… Aqui não temos nem muito o que falar por que ele praticamente pega uma bazuca e destrói todo e qualquer alicerce sagrado de uma família tradicional. Temos a família subjugada pela religião, temos a menina que sofre por ser a filha mais velha, temos o irmão caçula que vê em sua irmã uma figura sexual, temos o pai totalmente omisso em relação a seus filhos. Enfim, uma tragédia total que destrói, um por um, todos os elementos sagrados.

Mas o que tudo isso tem a ver com James Wan? Tudo! Essa quebra dos alicerces que a sociedade impõe é a alma de todas as grandes obras do gênero. Os longas de James Wan são exatamente o oposto de tudo isso. O exemplo maior é Invocação do Mal 2. Neste longa, ele (James Wan) faz com que a família disfuncional da trama seja exatamente uma família que não tem uma figura paterna. As crianças acabam criando trauma disso, pois a mãe não dá conta de trabalhar e cuidar de todas elas. Porém, tudo começa a acalmar quando a família média baseado no amor entre um homem e uma mulher (ambos religiosos) aparece, fica mais nítido ainda quando as cenas de maior calmaria do filme seja uma em que a Lorraine diz como conheceu Ed e depois na cena de Ed tocando violão enquanto as crianças veem nele uma figura paterna. No final ainda temos a cena na qual não vemos a mãe da criança e nem qualquer outro membro da família, e sim Ed e Lorraine (representantes da família média americana baseado no amor e religião) cobrindo com uma toalha (amor e carinho familiar) a menina que acabara de sair de uma possessão exatamente por nunca ter tido aquilo (um pensamento totalmente dentro do dogma religioso da nossa sociedade). Por fim, não concordo com as pessoas querendo classificar obras recente como Corra e Us (outros dois longas que mostram a hipocrisia e racismo nas instituições sagradas da sociedade) apenas por terem um ritmo mais lento ou não darem tanto susto. Afinal, eles tem a maioria dos elementos do gênero e o principal deles: a destruição do sagrado. Na verdade, se fôssemos obrigados a criar um novo termo para alguns tipos de filmes de Terror, deveríamos criar um para os de James Wan. Afinal, embora deem sustos e tenham Jump Scare, eles acabam não tendo o principal elemento que os citados anteriormente tem e que vem junto com o Terror desde sua criação. Poderíamos chamar, talvez, de Gospel-Horror.

Casal Ed e Lorraine

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