Cine PE 2019| Teoria do Ímpeto
Em vários momentos de “Teoria do Ímpeto” – um dos grandes vencedores do Cine PE 2019, levando para casa quatro Calungas de Prata, incluindo as de Melhor Direção, Melhor Fotografia, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Ator -, sons diegéticos – como ruídos de móveis e geladeira – tomam conta do ambiente habitado por seus personagens e se apossam da própria narrativa, se tornando de fato uma trilha sonora. Tais sons devastam e perturbam os protagonistas da história vista aqui. Estes objetos inanimados e os sons que provocam se tornam, também, personagens, e as lembranças que evocam, assombrações. “Teoria do Ímpeto”, de Marcelo R. Faria e Rafael Moura (vencedores do troféu Calunga de Prata por Melhor Direção) será encarado como um drama, mas o que seus personagens – e eventualmente a audiência – experienciam são equivalentes a um terror psicológico. Assombrados por atos cometidos no passado e a teimosia dos mesmos de continuarem no presente, as figuras vistas aqui estão condenadas a serem, para sempre, elas mesmas.
Diante da superproteção paterna de Pedro (Adriano Barroso, vencedor do troféu Calunga de Prata por Melhor Atuação) a jovem Diana (Clara Matos) vê no intercâmbio para fora do país a chance de realizar seu projeto de independência. Sem que Pedro saiba, Diana e o irmão Adriano (Pablo Magalhães, vencedor do troféu Calunga de Prata por Melhor Atuação Coadjuvante) fazem planos de saírem de casa e começar uma nova vida. Pedro nutre uma raiva por Adriano que parece diretamente ligada à possível morte da matriarca da casa. O jovem possui cicatrizes de queimadura por suas costas. Ao mesmo tempo, existe uma desconfortável relação entre Pedro e Clara, com uma tensão sexual insinuada constantemente. Essa tensão é revezada, também, entre Clara e Adriano. Nunca se sabe se Pedro é pai ou tio dos dois jovens. Os personagens são constantemente enquadrados de dentro da casa, através de janelas e portões, como se a mesma possuísse vida.
Essa é a intrigante narrativa vista em “Teoria do Ímpeto”, onde nada fica explícito, onde tudo se insinua através de signos. Para muitos, os temas retratados aqui repulsam e causam desconforto. Não há sequer uma imagem gráfica, e esta é uma das grandes qualidades da obra, que impõe do forma quase sorrateira tais sentimentos no espectador através de uma decupagem de planos cuidadosa (que rendeu o troféu Calunga de Prata de Melhor Fotografia para André Carvalheira), de uma escalação de atores inspirada e uma direção de arte aparentemente simples mas na verdade elaborada (tudo nos cômodos e cores daquela casa conta uma história).
Com uma abordagem de enredo ao estilo “um dia na vida”, onde, apesar de serem estabelecidos objetivos para seus personagens (como o anseio de Clara para mudar-se para fora do país), tais pontos são relegados pelo rodeiro em prol de uma abordagem de cotidiano, onde acompanhamos o trio principal simplesmente tentando sobreviver à rotina (a falta de dinheiro é uma constante na humilde família), enquanto tentam reestabelecer algum laço afetivo que foi perdido há tempos.
A procura pelo resto de humanidade é constantemente insinuada no filme -como no momento perturbador onde Adriano regride a um estado primal, rosnando para um cachorro e avançando contra o mesmo como se quisesse marcar seu território -, onde seus personagens parecem cada vez mais tomar decisões irracionais e autodestrutivas. Uma constante na sessão são os abanos de cabeça negativos por parte da plateia, que assiste às tentativas falhas de sobrevivência daquelas pessoas.
Em determinado momento, a frase “aos Carvalho”, é proferida por Pedro para Adriano após um jogo de cartas. A ótima cena de início instaura uma espécie de esperança, da união (e conexão) dos dois personagens através da masculinidade, mas também da família. Conforme o filme progride e as ações destrutivas de Pedro se projetam em Adriano, a expressão recebe outro contexto. Às vezes, o fracasso é hereditário.
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