Cine PE 2019 | Frei Damião – O Santo do Nordeste
Produções que tratam sobre fé costumam ser problemáticas: ao mesmo tempo em que devem abordar o assunto com delicadeza – estamos falando sobre religião, também -, precisam tomar cuidado para que sua mensagem – quaisquer que sejam as suas posições – não soe excessivamente unilateral. Num documentário, as coisas ficam mais complexas.
É muito interessante, então, que o documentário “Frei Damião – O Santo do Nordeste”, de Deby Brennand – longa que abre a Hour Concour, fora da competição -funcione não como um endeusamento de seu protagonista, mas – além da humanização do mesmo -, um testamento do poder da fé, não só religiosa.
A obra examina a vida de Pio Gianotti, capuchinho italiano que chegou ao nordeste brasileiro na década de 30 e que por 66 anos tornou-se um andarilho em busca da salvação das almas. Alternando-se entre reconstituições e imagens de arquivo valiosas que viajam por eras, o que mais emociona no documentário são os depoimentos de recifenses sobre a figura de Frei Damião. “Muitas vezes as pessoas nem entendiam exatamente o que ele estava dizendo, mas seu método com as palavras e as emoções que representavam eram tão simples, tão fáceis, que cativavam o povo”, diz um padre em determinado momento.
Devido a sua dedicação ao nordeste e seus métodos não usuais de pregação, Frei Damião é abraçado pelo povo, que o alça ao posto de santo. Em determinado momento, a vontade de crer provoca riso mas também emociona, quando Brennand e seu montador Rodrigo Guilherme dedicam um espaço do filme a depoimentos que comentam sobre como as pessoas achavam que Frei Damião flutuava, devido a forma anormalmente rápida que andava. É curioso notar como “banalidades” como essa cimentam uma áurea de crença ao redor do ícone, e a escolha por manter estes momentos, usualmente vistos como “não necessários” em produções que procuram fortalecer um ícone é acertada.
“O que ele provoca nas pessoas é transcendental”
Em coletiva nesta terça (30), os próprios realizadores comentam sobre a crença das pessoas. O montador Rodrigo Guilherme afirmou que poucas vezes presenciou uma devoção tão fervorosa no catolicismo. “O que ele provoca nas pessoas é transcendental”, afirma.
Não deixa, também, de ser um testamento da força de vontade do próprio povo nordestino, marcado; de vida dura, que é adotado por um Frei que enxerga um fervor que reflete o seu próprio: sua doença degenerativa, que deforma seu corpo ao ponto em que sua cabeça se aproxima de seu tórax e uma corcunda se forma, parece refletir o peso que coloca sobre si mesmo, e a incansável missão que adotou.
Assim, temos uma obra significativa para a abertura do Cine PE 2019. Se “Mulheres Alteradas” – filme de abertura da edição passada – não possuía um peso político ou simbólico tão forte para o festival, “Frei Damião – O Santo do Nordeste” é Pernambucano em sua essência (como o resto da noite de abertura) e representa muito bem a força de vontade e do catolicismo no Nordeste. A maioria dos documentários sobre figuras religiosas procura fortalecer um ícone – normalmente focando em seus atos mais milagrosos – , mas esta alcança êxito justamente na honestidade com que retrata uma figura divina, mas especialmente humana.
Neste ano, o Cine PE acontece no Cinema São Luiz e as entradas são gratuitas.