Crítica: Manifesto (2017) - Cate Blanchett faz 13 personagens!
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Crítica: Manifesto (2017) – Cate Blanchett faz 13 personagens!

Manifesto é arte no sentido mais cru e mais lapidado.

Ficha técnica:
Direção e roteiro: Julian Rosefeldt
Elenco: Cate Blanchett
Nacionalidade e lançamento: Alemanha, 2017 (02 de novembro de 2017 no Brasil)

Vale lembrar que já falamos sobre Manifesto no começo do ano, lá no #conexãosundance, quando o Maurício Costa, do Razão de Aspecto, cobriu in loco o festival e trouxe em primeira mão o brilho deste longa (veja o texto e o vídeo aqui). Agora vamos para a crítica mais detalhada, já que o filme lançou esta semana no Brasil.



“filme de arte”. Tal termo é condenável por alguns, pois todo filme é arte, mesmo os blockbusters ou filmes “bobos”. Contudo, aqui o termo cabe até em um sentido temático – e sim, Manifesto tem uma proposta que se afasta do que comumente vemos, não há uma trama, não há desenvolvimento de personagem ou qualquer coisa que o valha.

Porém, há sim um fio narrativo muito bem pensado. Cate Blanchett interpreta mais de 10 personagens (James Mcavoy em Fragmentado ficou com inveja). O texto dito por ela, quase que na totalidade, são Manifesto s artísticos de diversos movimentos – e gosto que o filme não mastiga com um letreiro qual Manifesto é qual. Curioso como o longa abre com uma definição técnica, a do dicionário, da palavra Manifesto. Ele segue como se isentando ao marcar: “estou escrevendo um Manifesto por não ter nada a dizer”.

Quase todo narrado ou declamado em monólogos, o filme exige do público uma bagagem rara. Seria mentira eu dizer que apreendi a totalidade daquele texto. Mas talvez nem fosse esse o objetivo primordial. A experiência estética causada pela quebra de paradigmas seria, creio, essa meta principal, afinal “tudo que é concreto se desmancha no ar” e a todo momento, dado o teor daquelas linhas, frisar-se o ideal de ir contra os sistemas.

O longa, portanto, tem uma forte marca metalinguística.  Seria à toa que uma das personagens tem no ventriloquismo o ofício? Não há que se falar em uma ausência de conflito dos personagens. O conflito é anterior, o do artista com os próprios anseios. E posterior, do público com aquela arte.

A quebra da quarta parede, feita de maneiras diferentes, coloca o espectador como parte daquele ambiente. Ótimo que não virou uma muleta, já que tal ferramenta só é usada pontualmente. Outro instrumento técnico-narrativo, também sem abuso, é a câmera no alto possibilitando uma compreensão diferente do ambiente e da mise-en-scène.

Por falar em mise-en-scène, o design de produção é um absurdo de excelente. Sentimos a diferença de cada cenário e a vida que há nele. A abundância de objetos assusta. Como se não bastasse ficar perdido naquele texto complexo, ainda fiquei louco absorvendo cada elemento em cena. Se Oscar fosse justiça, esta categoria – junto com fotografia – deveria estar pontuada.

E a maior injustiça do Oscar em 2018 será na categoria de atriz. Vamos falar de quem fez o melhor trabalho interpretativo do ano: Cate Blanchett – que será uma bela surpresa ser condecorada pela academia por este filme, mas que não acredito no reconhecimento da academia.

Comentário extra fílmico: ela está em cartaz no Brasil com Thor Ragnarok, digamos que lá é o extremo oposto de cá. Além desses, os últimos trabalhos da atriz foram bem diversos: De Canção em Canção, Conspiração e Poder , além de Carol.

Tal diversidade tem o ápice aqui. Em dez dias de gravação ela encarna composições diversas, passando por mendigo, professora, repórter… A maquiagem e cabelo, claro, têm um trabalho delicado ao tornar a cara dela inchada ou simplesmente mudar o lado do penteado. Mas o show é dela: sotaques, postura, olhares, timming vocal… seriam poucas atrizes capazes de fazer o que ela fez.

Mas nem tudo são flores, a estrutura acaba ficando circular demais, talvez se não voltasse nos personagens a coisa ficaria mais fluída. Ou se apenas abrisse e fechasse com o mesmo. É até vergonhoso eu apontar defeitos aqui e quase irônico, por conta da ressalva inicial.

Algumas cenas, graças também ao toque de Blanchett, têm um ar cômico. A entrevista onde Cate âncora conversa com Cate repórter na chuva é hilária. A personagem mãe de família, religiosa, que substitui a reza pelo texto do Manifesto também é inusitada. Agora o máximo está na professora primária que lê o dogma 95 em forma de correção aos desenhos dos alunos.

Uma das palavras de ordem ditas no filme conclama: “Não à sedução do espectador pelas artimanhas do artista”. Como não ser seduzido por esta mulher e pela direção de Julian Rosefeldt?

 

  • Nota Geral
4

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