#RochasEmDebate – As representações da Mulher Negra no Cinema Brasileiro. - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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#RochasEmDebate – As representações da Mulher Negra no Cinema Brasileiro.

Desde sua estreia em 23 de março de 2015, a “Coluna Rochas” levanta o debate que envolve o cerne estrutural do cinema brasileiro, e como a MULHER NEGRA está inserida nesse cenário de construção e consolidação identitária de nossa cinematografia:

A temática contemporânea e cada dia mais urgente sempre vêm à tona, e ainda que ocorra lá fora, como foi o caso do último Oscar e do Emmy com o discurso da atriz Viola Davis, os sons sempre reverberam aqui. Os fatos ganham repercussão nos mais distintos meios de comunicação, provocam manifestos e reações das mais consistentes às mais rasas e midiáticas (o “Somos Todos Macacos” não me desce até hoje), mas na prática o espaço parece cada dia mais demarcado e a realidade sem sinais claros de mudança.

Mês passado o debate em torno da mulher negra no nosso cinema nacional voltou à cena, em um seminário da disciplina de “Africanidades e Identidades Afro-Brasileiras” que apresentei no curso de pós-graduação em Estudos Culturais que curso na UNIJORGE (Centro Universitário Jorge Amado), aqui em Salvador, uma das capitais brasileiras com a maior presença de negros em sua população.

Com base nos textos e entrevistas publicados anteriormente nesta coluna, em um paralelo histórico com o Cinema Africano (pesquisado no livro “Tudo sobre Cinema” de Philip Kemp), e principalmente, no que testemunhamos nas telas dos cinemas soteropolitanos e Brasil a fora, fizemos uma exposição direta e provocativa do escroto sistema de segregação, entranhado de forma orgânica e naturalizada em nossa produção cinematográfica.

 

“O CINEMA BRASILEIRO É BRASILEIRO MESMO?”

 

Esse foi o questionamento que nos fizemos nas primeiras etapas de produção do trabalho, e achamos imprescindível para iniciarmos o debate.

  • As narrativas construídas e projetadas nos filmes que ocupam as grandes salas de exibição em todo país refletem um recorte realista fidedigno e harmônico da sociedade brasileira?
  • Essas narrativas e seus personagens são semelhantes aos sujeitos e os contextos do Brasil de hoje?

Tais interrogações exemplificam alguns de tantos outros questionamentos, cujas respostas dialogam entre si e desenham todas as predileções dos bastidores do cinema.

Eis que uma das frases ditas pela brasileira, carioca, mulher, cineasta e negra, Sabrina Fidalgo, em uma entrevista comigo feita por Skype, ajuda a ilustrar de forma mais prática o cinema brasileiro e todas as nomenclaturas utilizadas para delimitar territórios e direcionar discursos:

 

Sabrina-3

“… A gente não faz cinema negro, fazemos o cinema brasileiro. O cinema convencional é que faz o cinema branco. O cinema brasileiro de hoje tá muito centrado nessa questão pós-colonial, de uma representação eurocêntrica. O audiovisual brasileiro é completamente branco, branco com todas as aspas”.

As aspas da Sabrina são emblemáticas e ilustram a inversão classificatória da produção artística não só do cinema, mas da TV e do teatro. Quando a parte predominante se segmenta e a minoria ganha o status-quo de representar todo um legado histórico rasurado, há deturpações de ordem social, econômica e cultural.

As perguntas podem ser atualizadas e substituídas, mas o resultado explicitará uma mesma realidade.

  • Geralmente quais os personagens são destinados às atrizes negras?
  • Quais cineastas brancos costumam escalar atores negros nos seus filmes e retratar questões relacionadas às causas raciais e de identidade étnica?
  • Qual a etnia das cineastas e produtoras que abordam questões envolvendo a mulher negra em suas narrativas?

O discurso cinematográfico é um reflexo intrínseco do local de fala do sujeito. Em uma livre e abreviada adaptação dos “05 Ws do jornalismo” (Quem? Quando? O quê? Como? Onde? Por quê?), os discursos construídos e reproduzidos, são oriundos de “quem fala” e justificados – ou não – pelo local de fala desse indivíduo. A cineasta Vera Egito, em entrevista dada a jornalista Sonia Racy, no dia 07/03/16 no Estadão (http://cultura.estadao.com.br/blogs/direto-da-fonte/as-mulheres-fortes-povoaram-a-minha-construcao-como-pessoa/), cita essa demarcação funcional que as mulheres sofrem no mercado audiovisual, e que por consequência, delimita os campos de abordagem do produto final:

 

vera-egito

“Quando uma mulher lidera ou escreve um projeto, há personagens femininas fortes e questões que não são só sobre homens… É por isso que batemos o pé sobre a liderança do projeto. Porque é a liderança que vai trazer essa multiplicidade”.

Sem liderança compartilhada não há igualdade na participação do mercado, e o espaço das mulheres negras é injustamente restringido, fazendo com que os recortes sociais sejam os mesmos, os contextos continuem unilaterais e enviesados, e as representações femininas tenham cor, classe social e meritocracia.

 

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O mesmo mercado que revelou grandes atrizes negras como Ruth de Souza, Zezé Mota, Léa Garcia, Maria Ceiça, Ana Carbati, Taís Araujo e Gabriela Moreyra, por exemplo, é a mesma indústria que reduz atrizes em um vergonhoso revezamento de papeis de empregadas domésticas, escravas e moradoras da favela.

No dia 20 de abril deste ano, a sessão “UOL VÊ TV”, assinada pelo jornalista Maurício Stycer em seu blog no UOL, fez um levantamento assustador da repetição de atrizes negras nesses mesmos papéis – entenda-se empregadas domésticas – nas telenovelas (http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/2016/04/20/uol-ve-tv-a-sina-de-uma-atriz-ser-empregada-domestica-na-tv/).

O fado da reportagem é representado pela atriz Olívia Araújo que desde 2012 é escalada com regularidade para trabalhos na TV e no cinema, onde em todos eles interpretou empregadas domésticas: “Cheias de Charme” (Globo-2012), “Gonzaga – De pai para filho” (2013), “I Love Paraisópolis” (Globo-2014), “Chiquititas” (SBT-2014/2015) e “Liberdade, Liberdade” (Globo-2016). Cinco trabalhos, cinco empregadas domésticas. Novelas ou minisséries, empregada doméstica. Globo, SBT ou nas demais emissoras de TV, empregadas domésticas.

 

olivia araujo

 

Olívia é apenas uma entre tantas outras atrizes que só são chamadas para personagens com fenótipos pré-determinados, que ganham menos em relações aos atores, e erguem elefantes brancos em moldes de estatuetas douradas nas premiações que só celebram o talento dos indicados brancos devido a escassez de papeis relevantes e fortes para atrizes que o cinema “convencional” não contempla.

A sina da mulher negra na cena cultural do Brasil – país onde não há racistas (?) – é fruto remanescente das entranhas coloniais, do famigerado modelo escravocrata, do apagamento disfarçado e de um arquétipo de produção misógino, machista, caucasiano e míope.

 

O debate continua no próximo texto.

Aguardem!

 

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