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Crítica: De Amor e Trevas (2016)

De Amor e Trevas poderia ser uma nova versão de A Vida é Bela, mas não foi….

Ficha técnica:
Direção e roteiro: Natalie Portman
Elenco: Natalie Portman, Amir Tessler, Gilad Kahana
Nacionalidade e lançamento: Israel, 2015 (05 de maio de 2016 no Brasil)

Sinopse: no contexto da guerra árabe-israelense de 1948 um garoto cresce em uma casa cheia de erudição. O pai escritor, as estantes cheias de livros, música clássica e a mãe que narra para ele aventuras para explicar o mundo e lidar com aquela dura realidade.

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Pela sinopse, e pelo primeiro ato, a lembrança  de A Vida é Bela (1997) era inevitável. E prometia ser uma comparação que dava conta de igual para igual com o já clássico italiano dirigido por Roberto Benigni.

As várias menções à literatura (algumas pouco sutis) são deliciosas. No começo há um convite: “vamos criar uma história”. Amos Oz, já idoso, conta a história dele e da família durante a guerra que cercou a independência de Israel. A narração dele perpassa todo o longa. Normalmente não gosto deste recurso, mas aqui foi essencial e um dos méritos do filme.

 

Amos é um garoto observador, algumas tomadas deixam isso claro (novamente de forma pouco sutil). Criado em uma família que preza o crescimento intelectual, o garoto consegue se comunicar em vários idiomas, tem conhecimento de literatura e política muito avançados para a idade. O pai é escritor e frisa com Amos a etimologia das palavras. A mãe narra aventuras recheadas de ensinamentos. Aliás, o jeito como a mãe e o menino se relacionam é a melhor coisa do filme. A fala dela sobre a hora certa de mentir é um exemplo.

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Um ponto forte do De Amor e Trevas são as dualidades. O peso da guerra sentido de forma macro (vemos a votação da independência de Israel, em uma cena muito bonita) e os dilemas vividos pela família ou então o bullying sofrido por Amos na escola estão bem presentes. Há uma cena onde mulheres falam das desventuras de se ter um filho e logo em seguida a uma explicação etimológica, quase poética, sobre o quão é vazio não tê-los. Em um outro momento uma conversa “adulta” de Amos com uma coleguinha é permeado por brincadeiras infantis.

Além desses momentos mais explícitos temos a brutalidade e a leveza, a inocência e a sabedoria, a velhice e a jovialidade, a firmeza e a fraqueza e o claro e o escuro. A fotografia, aliás, nos brinda com tons azulados na hora de dormir daquela família e amarelados nas narrativas da Fania (a mãe) e na cena descrita de Amos com a menina.

 

Algumas metáforas e discursos de vários personagens nos entregam textos belos sobre a vida em diversas instâncias. A comparação do cérebro com uma couve-flor e como cabe tantos mundos dentro dele. Ou ainda a existência de um inferno e de um paraíso em todos os ambientes. E a frase: “recordar é como restaurar um edifício antigo com pedras da sua ruína”. Há também uma explicação muito simples sobre a complexa relação entre árabes e judeus comparando-os com irmãos com uma relação complicada com um pai e como eles passam a enxergar no outro o pai violento ao invés de um olhar fraternal.

Temos três atuações destacadas. Gilad Kahana, que além de atuar é músico, traz uma presença contida, mas ao mesmo tempo firme. O tom correto e consistente ajuda a dar base a narrativa. O jovem Amir Tessler já não se mostra tão sólido. Por vezes parece deslocado e forçando alguns cacoetes. Em outros momentos evidencia força e destaca-se, principalmente quando contracenando com Portman. A já consagrada atriz dá um show e a interpretação dela é sem dúvidas um dos pontos altos.

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Contudo, o terceiro arco muda um pouco o foco da trama, ironicamente se detendo na personagem da Natalie, e perde muito do ritmo e sai do caminho até então estabelecido. Apesar de nos minutos finais o longa se recuperar, o tom do De Amor e Trevas beira o melodrama e fica ainda menos sutil. Esse momento do filme foi suficiente para fazer com que o todo perca pontos de forma significativa.

A direção de estreia  de Portman falha em alguns momentos (aí perpassando em diversos instantes e não só no final) e o texto, também o primeiro assinado por ela, tem altos e baixos. O roteiro é advindo de uma adaptação de um livro escrito por Amos Oz.

O ponto crucial aqui é qual história temos para ser contada e a definição do protagonista (o garoto ou a mãe?). Tudo bem que esses pontos fazem parte de uma certa metalinguagem, mas na prática não funcionou tão bem.

Contudo, muitas vezes os deslises aqui cometidos são pelos excessos, o que demostra um potencial a ser trabalhado nestas novas facetas da atriz. Apesar das falhas De Amor e Trevas merece ser visto e apreciado em diversas instâncias. Ele está em cartaz em poucas salas e imagino que não ficará por muito tempo, então quem se interessar não perca tempo.

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