"Mr. Nobody" - 2009 - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
Artigo

“Mr. Nobody” – 2009

O ser humano é um ser de possibilidades, ele é o fora, ou seja, antes de ser, é o nada, o vazio, é um aberto. O Homem deve ser pensado a partir do Homem como também o tempo a partir do tempo, uma vez que no “Conceito de Tempo”, texto escrito por Heidegger, o filósofo alemão afirma o mesmo, isto é, que comecemos a pensar o tempo a partir dele mesmo. Heidegger não está na busca de um conceito universal de tempo, do tempo como “essência”. No entendimento do texto é possível afirmar que o filósofo alemão ao dizer que devemos pensar o tempo a partir do tempo ele está querendo dizer para não aceitarmos respostas que a história ou a ciência usam sobre o que é o tempo. Seria necessário fazer a experiência do tempo, do que ele seria e não objetivar o tempo, e pelo contrário, participar do tempo.

O filósofo está livre para questionar e não aceitar fundamentos e ideias estabelecidas, contudo, seria possível fazer tais questionamentos por inteiro? Não, uma vez que acreditamos em saberes estabelecidos, entretanto, acreditamos em tudo, confiantes plenos? Também não. Martin Heidegger questiona, age como filósofo, não sabe o que é a eternidade, pois, a questiona, investiga. Numa parte determinada do texto o filósofo fala de “ciência prévia”, e com isso quer dizer que as ciências em geral definem coisas como a “vida” por exemplo, contudo, de onde viria tal compreensão? Perguntar por isso é filosofia, é ontologia. Na página nove do “Conceito de Tempo” é citado o relógio como medidor do tempo, que marca o tempo, afinal, o que é um relógio? Antigamente o tempo era marcado, medido, através das estações como também através da sucessão dos dias e das noites. O tempo se mostra, nós o percebemos, então o que seria o tempo via relógio? Horas, minutos, segundos? O tempo do relógio é homogêneo – no sentido de que um agora é igual a um outro agora, o que difere é o acontecimento – e quantitativo (físico) – espacialidade temporal, o tempo seria o espaço.

Toda essa reflexão a partir do conceito de tempo é para dar luz ao pensar sobre o filme Mr. Nobody do diretor Jaco Van Dormael.  O enredo diz respeito à um homem que ao completar 120 anos de idade, sendo ele o mais velho da raça humana assim como, vivo num mundo no qual os homens não morrem, isto é, são imortais, muitas questões são levantadas no decorrer da história, como o tempo, a memória ou falta dela, a mortalidade, a vida. Será que o desejo pela vida eterna é factível com o fato de querermos viver pela eternidade, isto é, será que realmente esse querer pertencer ao mundo pelo infinito é algo bom? Ao passo que continuamos vivendo, mesmo que envelhecendo, ver, sentir, presenciar a morte de entes queridos, amigos, vê-los partir deste mundo e em contrapartida, continuarmos aqui, vivos para “sempre”, a morte acaba se tornando algo banal, sem sentido, sem sentimento, sem vida. Aprendemos com a morte como também com a vida. O tempo passa e as memórias voam com o passar dos dias, dos anos, e no caso do Mr. Nobody (Jared Leto), ao completar tanta idade e se ver no espelho com rugas, com o corpo cansado da vida, tenta se lembrar do passado, de seus amores, relembra momentos de infância, de juventude, felicidades, tristezas, tenta revivê-las em sua mente.

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A tentativa de lembrança de algo de sua vida passada, Nemo – Mr. Nobody, a partir de momentos decisivos, passa a remontar como num quebra cabeça, as peças do tabuleiro de sua linha vital, e é o flash-back que permanece sendo o caminho o qual o diretor desenha sua história, dando vida à vida e vida à imaginação. A partir de seus relacionamentos amorosos, pela falta de lembrança, algumas peças de cada momento são perdidas, então, partindo do não saber, imagina-se o como poderia ter sido, como seria estar com àquela pessoa pelo resto da vida, juntos. Em cada relacionamento há peculiaridades distintas, com Jean (Linh- Dan Pham) há uma confusão entre sonhos e memórias de outras vidas, de outros viveres, se passa de forma bem curta; com Anna (Juno Temple) – como a versão mais nova e (Diane Kruger) – como a mais velha, Nemo vai morar com sua mãe e conhece uma menina de sua idade e se apaixona por ela; e finalmente a terceira, Elise (Sarah Polley), depressiva e muito melancólica, desperta sentires diversos em Nemo com seu imprevisível comportamento.

Acabamos então ficando confusos ao nos depararmos com tais flashes deste personagem em sua vida eterna. Não sabemos realmente se tais lembranças e visões aconteceram, ou se são apenas desejos reprimidos ou só vontades. Cada um desses amores pode nunca ter ocorrido em vida, podem ter sido criações, apenas ficções de uma mente apta a nutrir algo que poderia ter acontecido, contudo, pode nunca ter sucedido. As discussões acerca de temas filosóficos, como sobre o tempo, sobre a morte, já nos dizem algo de inovador, de interessante, que nos aproxima da reflexão, nos leva à imaginar, nos carrega para esse mundo que o Mr. Nobody vive, que por já não lembrar de sua vida acaba sendo ninguém, vazio de si mesmo para si mesmo, um desconhecido.

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