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Crítica: Mulher-Maravilha

Mulher-Maravilha é uma das adaptações mais importantes para o gênero de super-heróis

Ficha técnica:

Direção: Patty Jenkins
Roteiro: Allan Heinberg
Elenco: Gal Gadot  Chris Pine, Robin Wright, Danny Huston, David Thewlis, Connie Nielsen, Elena Anaya
Nacionalidade e lançamento: EUA, 2017 (1 de junho de 2017 no Brasil)

Sinopse: Antes de tornar-se Mulher-Maravilha, ela era Diana, princesa das Amazonas e treinada para ser uma guerreira invencível. Diana descobre que um grande conflito assola o mundo quando um piloto americano cai com seu avião nas areias da costa. Convencida de que é capaz de vencer a ameaça de destruição, Diana deixa a ilha. Lutando lado a lado com homens numa guerra que pretende acabar de vez com todas as guerras, ela vai descobrir todos os seus poderes… e seu verdadeiro destino.

Uma das imagens mais marcantes de Mulher-Maravilha é a da jovem princesa Diana – ainda longe de se tornar a guerreira forte do título – assistindo, deslumbrada, ao treinamento das amazonas de Temiscira, enquanto tenta replicar os movimentos de luta daquelas independentes guerreiras. Não demora até que aquela pequena garota seja removida de sua posição de espectadora e se torne a protagonista de sua própria história.

Essa ideia de deslumbramento – e mais que isso: representatividade – sempre pareceu o caminho certo para seguir num filme da heroína, uma das mais célebres de todos os tempos, que está enraizada na cultura pop há mais de 75 anos. Sempre falamos sobre como um filme deve se sustentar isoladamente, mas em alguns casos, é necessário sim, um contexto. E é mais do que chegada a hora de um filme da Mulher-Maravilha.

Os fãs da heroína podem, então, ficar contentes. A quarta produção de seu Universo Extendido DC não só é um filme sólido de origem, como também um ótimo filme da Mulher-Maravilha.

Quando apareceu pela primeira vez neste universo cinematográfico, em Batman vs Superman: A Origem da Justiça, a princesa de Temiscira certamente deixou uma impressão. Vista por muitos como a melhor parte daquele filme (o que não chega nem perto de ser verdade), a heroína mal teve tempo para brilhar de fato, e a empolgação ficava mais para as pessoas que já conheciam a personagem e atribuíam a bagagem emocional que possuíam com ela à sua representação naquele filme do que por um bom momento cinematográfico propriamente dito. Era preciso retirar novamente esse papel de coadjuvante, de participação especial, e contar para o público quem aquela mulher realmente é.

Coube à diretora Patty Jenkins (do ótimo Monster: Desejo Assassino), Zack Snyder e ao escritor Allan Heinberg reapresentar a personagem em seu primeiro filme solo. Treinada desde cedo para ser uma guerreira imbatível, Diana Prince (Gal Gadot) nunca saiu de Temiscira, paradisíaca ilha em que é reconhecida como princesa das Amazonas. Quando o piloto Steve Trevor (Chris Pine) se acidenta e cai numa praia do local, ela descobre que uma guerra sem precedentes está se espalhando pelo mundo e decide deixar seu lar certa de que pode parar o conflito. Lutando para acabar com todas as lutas, Diana percebe o alcance de seus poderes e sua verdadeira missão na Terra.

Mulher-Maravilha

Gal Gadot (Diana Prince) e Chris Pine (Steve Trevor) em Mulher-Maravilha

A escolha de situar a história durante a  primeira guerra mundial (uma origem diferente de sua contraparte dos quadrinhos) é acertada. Não foi um período forte para as mulheres, e introduzir alguém como Diana nesta época oferece várias oportunidades para críticas sociais em relação ao período e a forma como as mulheres eram tratadas (o momento em que a protagonista questiona o propósito das secretárias é ótimo). Desta forma, o filme poderia cair facilmente numa gratuita “guerra dos sexos”, mas a diretora Patty Jenkins é inteligente ao integrar organicamente tais comentários à história.

Parte filme de origem, parte filme-aventura e parte filme de guerra, esta é uma produção em que o tom pretendido é mais difícil de se acertar do que parece. Mulher-Maravilha não se foca apenas nas mensagens feministas e no empoderamento da mulher. Há uma história a ser contada, e, tirando alguns tropeços narrativos (o velho problema do terceiro ato apressado e do vilão que poderia ser mais trabalhado dos filmes de heróis), a jornada vale à pena.

Mais do que uma clássica jornada de personagem, esta é a jornada de Diana Prince para se tornar uma mulher – e é essencial que Jenkins inclua, neste filme, um “desabrochar sexual” da personagem. Nesse sentido, o diálogo engraçadinho no qual a heroína questiona os atributos físicos de Steve Trevor (Pine, que está ótimo no papel), enquanto observa com curiosidade o seu corpo nu é mais importante do que parece. Presenciamos momentos como o seu primeiro beijo e sua primeira transa (insinuada). Mais do que cenas de humor inconsequente ou momentos de “interesse amoroso” (mesmo que estes filmes de estúdio praticamente exijam isso), o que vemos aqui é um descobrimento de identidade. A cena em que a mesma percebe que a guerra – e o ser humano – não é tão simples, tão “preto no branco” como imaginava em sua inicial visão fabulesca do bem contra o mal é excelente. E quando Diana profere o clássico “Eu sou Diana de Temiscira, filha de Hippolyta”, não vemos uma frase verborrágica e brega, e sim um catártico e poderoso momento de autoafirmação.

Mulher-Maravilha

Gal Gadot vive a heroína do título

Parte deste sucesso recai sobre Gal Gadot. A atriz percorreu um longo caminho desde que foi escalada para viver a personagem, em meio a xingamentos em relação ao seu peso (alguns “fãs” a consideraram magra demais para viver a heroína) e sua capacidade como atriz. Se Gadot realmente não é a melhor das atrizes (e é inegável que ela é esforçada), ela possui uma presença de tela invejável. Seja dando um de seus adoráveis sorrisos, ou arrebentando com alemães nas trincheiras da primeira guerra. Ela simplesmente é Mulher-Maravilha.

E no aspecto “quebradeira”, o filme se sai bem. Jenkins, que não possuía experiência alguma com grandes produções como essa, consegue arquitetar o espaço das cenas de ação com segurança, e as sequências conseguem ser estilosas ou realistas quando necessário. Destaque também para o design de produção de Aline Bonetto (Peter Pan, O Fabuloso Destino de Amélie Poulain), que contrasta muito bem o visual brilhante e belo de Temiscira com a Londres feia e acinzentada, evidenciados ainda mais com a ajuda do diretor de fotografia Matthew Jensen. Um dos vilões, a doutora Maru vivida por Elena Anaya (“A Pele que Habito”) apresenta um visual inspirado que parece saído diretamente de Indiana Jones ou 007.

Mulher-Maravilha

Danny Huston (Ludendorff) e Elena Anaya (Dra. Maru)

E o fato de a menção ao vilão vir só agora se dá, novamente, à sua ineficácia como personagem. Apesar de conter ideias boas, o vilão Ares (o Deus da Guerra na mitologia Grega) não consegue convencer. Isto é algo que vem menos de seu intérprete, e sim do próprio roteiro, que o resolve de forma apressada no terceiro ato, quando se rende a todos os efeitos especiais que uma produção como essa promete. O visual do vilão apresenta um tropeço em relação ao resto do filme, já que a mistura de computação gráfica com efeitos práticos não funcionou, tornando-o um tanto quanto artificial também visualmente.

Há alguns pequenos problemas. Em certo momento do filme, um dos aliados de Steve Trevor e Diana, Sameer (Said Taghmaoui), fala sobre como ele “queria ser um ator mas teve o azar de nascer com a cor de pele errada”. Tal momento diz muito sobre as mensagens de representatividade e minorias que o filme quer passar… até percebermos que o que foi mostrado de Sameer até o momento foi o esteriótipo do mulherengo e das piadas prontas. Se o filme acerta em momentos como aquele, parte dessa desconstrução perde força quando os coadjuvantes são todos construídos nas caricaturas. Os companheiros de Diana e Steve são um índio, um indiano e um – por falta de melhor adjetivo – pateta. Se a intenção era a representação de minorias, Jenkins e seu roteirista deveriam se esforçar para torná-los mais do que meros cartuns que fornecem algumas piadas prontas.

Mulher-Maravilha

Sameer (Said Taghmaoui), Steve Trevor (Chris Pine), Diana Prince (Gal Gadot), Chief (Eugene Brave Rock) e Charlie (Ewen Bremner)

Nada que comprometa a obra geral, no entanto. Mulher-Maravilha é competente, possui ótimos momentos e alguns deslizes. Se pode ser considerado como o melhor filme (em sua estrutura e arco dramático) do Universo Extendido DC até o momento (ainda que, na opinião pessoal deste que vos escreve, Batman vs. Superman seja a melhor obra pelas ideias transgressoras com o gênero que continha), é também o que mais chega perto de seguir uma fórmula (e foi tentado o máximo não mencionar a Marvel aqui).

Ainda assim, o contexto desta obra deve ser observado. Mulher-Maravilha é um dos filmes mais importantes para o gênero de adaptações de quadrinhos e deve abrir portas para mais algumas (que venha a Capitã Marvel). Tal importância é sentida na saída do cinema, quando vemos, num espelhamento da cena mencionada do início da projeção, garotinhas (e garotinhos) replicando os movimentos de uma heroína forte e independente, que agora existe também no cinema e pode servir de modelo para uma nova geração.

 

  • Nota Geral:
4

Resumo

Mulher-Maravilha é competente, possui ótimos momentos e alguns deslizes. Ainda assim, novamente, o contexto da obra deve ser observado, e nesse caso, Mulher-Maravilha é um dos filmes mais importantes para o gênero de adaptações de quadrinhos e deve abrir portas para mais algumas

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