Crítica: Megalópolis – 48ª Mostra de São Paulo
Megalópolis – Ficha técnica:
Direção: Francis Ford Coppola
Roteiro: Francis Ford Coppola
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2024
Sinopse: Um arquiteto visionário num Estados Unidos alternativo e fabulesco na cidade conhecida como Nova Roma se vê em conflito com a elite local a propor a construção de uma versão melhorada da cidade: a utópica “Megalópolis”. Elenco: Adam Driver, Nathalie Emmanuel, Audrey Plaza, Shia LaBeouf, Giancarlo Esposito, Jon Voight, Laurence Fishburne, Dustin Hoffman, Thalia Shire, Grace VanderWaal, Kathryn Hunter, Jason Schwartzman.
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Sonhos de um homem louco. Delírios insanos de um sonhador. A busca megalomaníaca e maximizada de Francis Ford Coppola pelo constante e eterno uso da linguagem cinematográfica para criar, se aventurar pela plasticidade, pelo prazer de fazer projetos ensandecidos com um artesanato técnico grandiloquente, pela estética, pela criação cênica e pelos extremos que o cinema e a narrativa podem oferecer, acaba sendo a mesma busca de Cesar Catillina (Adam Driver) na criação de seu mundo novo idílico, mas louco. A eterna procura por uma utopia cinematográfica onde a criação é livre e delirante. A busca pela formação familiar. A fé na insanidade da construção é a fé na insanidade do próprio cinema. Coppola mistura Orson Welles (sua principal conexão) com Cecil B. DeMille, Serguei Eisenstein e William Shakespeare.
É um filme de um rebelde enlouquecido de 85 anos sempre desbravando a linguagem. Se banhando na criação do excesso para criar com uma encenação anti–naturalista, cartunesca, experimental, caricata, caótica, expressionista, grandiloquente, estilizada e extremada intervendo sempre abertamente com os seus elementos na tela – ao estilo Welles – transformando a figura Audrey Plaza numa manifestação de um teatro de sombras numa cena chave de assassinato onde ela está colocada indo e voltando em primeiro plano enquanto a ação acontece em segundo (algo constante no filme), nas suas sobreposições de imagem, nas divisões de tela, os círculos abrindo e fechando o quadro e imagens tal qual no cinema mudo, a movimentação delirante da câmera em estado de delírio também com os personagens, as cores em delírio, o olho mágico visto pela câmera e aquele dourado digital estourado, reluzente e artificial da fotografia de Mihai Mălaimare Jr.
O artificialismo do filme está na sua plástica, está no seu visual, está nos seus efeitos aberrantes em CGI e está nas próprias figuras que o rodeiam. Tal qual uma grande farsa cômica Shakespeariana os personagens falam e atuam de maneira teatral, farsesca, exagerada, emulando uma erudição cartunesca e que sempre traz à tona como a farsa opera em cada canto desse filme – montagem, figurinos, direção de arte e por aí vai – e como todas as ações e falas enfatizam um absurdo caótico. Coppola não quer se mostrar, diferente de muitos outros cineastas, ele não é gratuito, ele quer criar, chegar ao limite da criação e usa esses elementos em prol disso e os atos exagerados, escolhas exageradas e operísticas que acontecem caminham sempre em direção a isso, por isso a fluidez do filme é gigante. Adam Driver se mostra mais uma vez o maior ator da sua geração e todo o elenco está maravilhoso nessa chave de farsa e exagero, mas o grande destaque vai pra Audrey Plaza magnética e excepcional desfrutando de cada momento caricatural da sua vilã femme fatale. Farsa pura. Enquanto Shia LaBeouf está ótimo sendo esse resumo da visão de Coppola do fascismo e do populismo de extrema direita: Trump, Mussolini e a juventude Hitlerista.
E é uma retrato super patético e ridicularizante do fascismo colocando o “fascismo” com todos esses sinais ligados a uma masculinidade que um velho problemático de 85 anos vê como “fraca” e “desprezível”, enquanto Cesar é ligado a algo muito mais “viril”. O interessante é que as coisas são tão caricatas, são tão exageradas em tudo, que até as suas problemáticas gigantes são somadas a esse tom. As personagens femininas que são ou idealizadas por Coppola ou acabam objetificadas sexualmente por ele (ou ambas as coisas ao mesmo tempo como a co–protagonista de Nathalia Emmanuel, a Julieta do Romeu de Driver e meio que a própria Eleanor Coppola) em fetiches de um velho babão machista acabam compondo esse painel de caricaturas. Um painel de insanidade onde a morte de um personagem na trama sendo simplesmente jogada e revelada depois que ela acontece serve ainda mais pra destacar essa loucura constante que nunca para que é esse filme. Onde um personagem sofre um atentando do jeito mais absurdo possível. O absurdismo está em tudo e todos.
Os mil temas que o filme tem, mil reflexões, a diversidade de tramas, de personagens e tudo isso se ajustam a essa procura e comprometimento total com a insanidade são muito mais do que uma “bagunça” ou algo desconjuntado ou sufocante pela quantidade de coisas que apresenta. Pelo contrário, todas elas ajudam a compor essa loucura e essa inventividade formal a cada segundo do filme. Esse é um filme muito firme em toda a sua megalomania insana. Em toda a sua linha narrativa livre e excessiva. Sempre levando a um retrato caótico, mas genuíno. Com uma certa leveza na sua caricatura carregada e no seu ritmo. E existe uma humanidade grande inclusive nos conflitos do filme, mesmo eles sendo os mais exagerados e toda as caracterizações abraçando o excesso, desde o Giancarlo Esposito como esse tradicionalista rival de Cesar que aos poucos vai vendo o desprezo pelo rival com outros olhos mesmo mantendo a sua cautela, sua principal característica. Seus momentos finais são lindíssimos nessa idealização familiar e junção familiar procurada por Coppola em sua obra. O “futuro” em primeiro plano na cena final e a família ao redor dele em segundo diz muito sobre essa insanidade afetiva do homem. Coppola se coloca dentro do filme de várias maneiras e numa delas é com uma piada das mais egocêntricas possíveis, porém é um egocentrismo tão caricato, tão puro e tão ligado ao tamanho todo do projeto que acho impossível não se apaixonar por ele.