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Premiações ainda valem alguma coisa?

Essa é a primeira vez que eu voto em uma grande premiação na minha vida. Desde 2014 acompanhando de perto as principais premiações televisionadas, lembro que meu primeiro contato com o cinema mais de perto não veio exatamente por família, amigos, livros ou internet e sim pela televisão. Lembro-me de me tornar cinéfila aos poucos a começar pela maratona anual da lista de indicados ao Globo de Ouro, Oscar, Critics Choice, SAG… Era assim que eu acompanhava o cinema: uma espectadora de temporada, eu diria. A temporada de premiações.

Pode-se dizer que a temporada de 2024, especialmente, tem me deixado bem mais reflexiva do que em anos anteriores. É a primeira vez que irei contribuir diretamente para o resultado de uma premiação de tamanho alcance, algo que não apenas nunca pensei me acontecer como me tem me feito refletir bastante sobre o papel da crítica diante das listas que considerei injustas e dos resultados que por muito mal refletem a diversidade (muitas vezes a qualidade, também) de títulos que foram lançados. Uma pergunta muito importante desde então martela na minha cabeça, apenas a dias do encerramento das votações do Critics Choice: qual a relevância dessas premiações para nós e para a história do cinema? Ainda vale a pena conferir esses resultados e assisti-las? Qual o valor disso tudo?

Pela primeira vez em alguns anos, desde 2019 eu diria, tivemos tantos ótimos filmes: entre estreias grandiosas que nos fizeram sonhar com a volta do público ao cinema em um cenário pós-pandêmico e de consumo massivo de streamings (Barbenheimer), continuações magníficas que engrandeceram o cinema de gênero (Missão Impossível 7 e John Wick 4) e muitas outras obras que trouxeram para os holofotes muita diversidade, política e, principalmente, o apreço pela forma de se fazer cinema. Em Cannes, em maio de 2023, foi possível perceber de perto como a indústria hoje vive um momento de efervescência muito grande, criativamente rico e apaixonado. Então porque, me pergunto, as listas e as premiações mais famosas do mundo não conseguem refletir essa diversidade e riqueza com verdadeiro afinco? E mais importante, porque nós amantes do cinema precisamos entender as premiações de uma outra forma?

Primeiro que o resultado das premiações geralmente nada mais são que o último ato de uma campanha massiva que tem reduzido a arte de se fazer cinema, desde sua primeira edição e principalmente na última década, a uma corrida do capital. Em 2023 o prêmio principal do Oscar para o filme CODA custou cerca de 1 milhão de dólares para a Apple TV+. Analisando isso, já é possível saber que diante desse cenário se torna impossível que filmes independentes possam alcançar o prêmio mais cobiçado da indústria. Se antes os nomes eram Warner, FOX, Disney, NEON, hoje podemos adicionar no rol Apple TV+, Netflix e Prime Video (Amazon), todas empresas dispostas a gastarem milhões se isso significar o status do selo de suas respectivas marcas.

CODA - Festival de Sundance 2021

A segunda razão é que essas premiações ainda carecem, em sua maioria, de uma diversidade de votantes que corresponda de forma proporcional à diversidade dos filmes produzidos em todo o mundo. Lembro que uma das primeiras vezes que minha ficha caiu sobre isso foi quando um votante da Academia se recusou a assistir o flme de Eliza Hittman, Nunca Raramente Às Vezes Sempre, por ir de encontro aos seus princípios já que se tratava de um filme sobre aborto. A excelente obra, por sinal, até entrou na lista de indicados, mas não levou nada e continuou sendo consumida de forma tímida por alguns amantes de cinema que como eu continuam incentivando outras pessoas a assistirem e, quem sabe, confrontarem suas convicções morais de uma forma que esse votante pelo menos não quis confrontar.

A terceira e última razão nesse rol exemplificativo e não taxativo sobre o tema (com o perdão de nessa pequena frase acabar expondo minha formação em Direito) é que existe ainda uma dificuldade tremenda dessas premiações de saírem do eixo estadunidense. Nos últimos anos, a melhor lista de filmes do Oscar para ser maratonada é a de Melhor Filme Internacional e eu me questiono se não foi assim desde a criação da categoria. Afinal, esta é a que mais passa por um crivo de qualidade, uma seleção extremamente rigorosa, reunindo milhares de pessoas para sua formação final. Se existe um tesouro “escondido” nas premiações televisionadas da temporada para os jovens cinéfilos e amantes de cinema de ocasião, está nessa categoria e na qualidade que pode se encontrar em meio à diversidade do cinema feito em outros países.

Todas essas razões são importantes de serem pontuadas na hora de ponderar o valor das premiações no nosso interesse pelo cinema. Como crítica e reconhecendo o valor que existe em filmes e profissionais jamais premiados mas inegavelmente essenciais para essa arte, é impossível não tecer críticas a esse sistema. Toda premiação exclui para incluir e isso é muito plausível de ser criticado. Com o tempo, a cinéfila de temporada que dentro de mim valorizava grandes premiações televisionadas, foi sendo substituída por uma Fabiana mais desiludida com o cinema de mercado, compreendendo que as nuances de um bom filme iam muito além da lista de Oscar e derivados.

Um processo natural pelo qual qualquer cinéfilo e crítico de cinema um dia irá passar, é claro, mas que em mim foram necessários alguns anos para acontecer. Deixar de associar premiações ou listas ditas consagradas (seja qual fosse, de ABRACCINE a Sight and Sound) como critério de qualidade de um filme faz parte do processo de aprendizado onde o mais fundamental nesse caso é olhar as premiações, especialmente Hollywoodianas, dentro de um recorte muito específico do nosso tempo e da indústria audiovisual, o qual nem sempre irá apresentar qualidade e diversidade como um sinônimo – mas que não deixa de ser importante.

As premiações ainda possuem valor e para enxergá-lo depende apenas que nós saibamos entendê-las por outro viés: pela importante contribuição que possuem na popularização da sétima arte, contribuindo há muito tempo para a imagem do cinema no imaginário popular (glamour, estrelas, fama) e pela importância que existe historicamente para o cinema em reconhecer grandes profissionais da indústria pelas suas obras no tempo que foram produzidas. Da mesma forma que pessoas de fora da bolha cinéfila e de fora do ofício da crítica cinematográfica iniciam seu interesse pela arte através da televisão, como foi o meu caso, profissionais também começam suas carreiras com o sonho de serem reconhecidos pelas mesmas premiações que impulsionam essa indústria.

Portanto parei de me questionar qual era meu papel enquanto crítica de cinema votando em uma premiação tão imensa, porque agora eu compreendo de forma nítida, pela Fabiana que assistia premiações no sofá de casa, que tal oportunidade é muito mais sobre incentivar o interesse de outras pessoas pelo cinema, como um pontapé inicial aos cinéfilos que um dia foram “de ocasião”, e de contribuir ativamente para a diversidade de indicados e premiados, que qualquer outra coisa. Pois não se trata de utilizar resultados como parâmetros absolutos de qualidade, nem como bastiões da história do cinema automaticamente após um prêmio, frustra-se quem pensa ser assim. É bem mais sobre ter certeza de que muitos cinéfilos de temporada e profissionais do cinema ainda valorizam o veículo tradicional de comunicação em massa e das pessoas que o realizam quando começam a se perceber enquanto profundos admiradores do cinema pelas telas de casa.

É fundamental que esses eventos sejam criticados e que seus resultados sejam compreendidos de forma crítica, mas todas as outras facetas dessa moeda são importantes demais para serem ignoradas. Por fim, jamais imaginaria que me tornaria uma das pessoas que contribui com os resultados de uma premiação desse alcance, minhas lives do sofá de casa, palpitando como criadora de conteúdo ainda em 2019, se tornarão lives de voto de uma crítica de cinema associada. As premiações às vezes possuem esse efeito. Foi necessário criticar, refletir e estudar durante esses anos para compreender o valor real do meu ofício e da minha posição, mas hoje acredito que encontrei a resposta mais válida para minha relação com as premiações. Espero ter contribuído com a sua também até aqui.

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