O estágio tardio do cinema hollywoodiano
Como se já não fosse o bastante esse ano de 2023 ter nos presenteado com três filmes sobre produtos comerciais, agora, segundo a revista New Yorker, os novos planos de Hollywood daqui pra frente estão todos se consolidando ao redor de produtos infantis e linhas de brinquedo famosas do milênio passado. Greta Gerwig começou essa onda com Barbie e agora até o ex-diretor queridinho da Lucasfilm, J.J. Abrams, está todo serelepe para apresentar ao mundo seu novo conceito dos carrinhos Hot Wheels.
Recentemente, ao me deparar com um vídeo de Gene Siskel no YouTube comentando sobre o estado do cinema comercial em 1998, me peguei pensando sobre quão desastroso e fúnebre o clima do cinema blockbuster se apresenta para nós na atualidade. O aclamado crítico de cinema diz no vídeo (o qual você pode conferir aqui se o Twitter ainda estiver de pé) que os produtores hollywoodianos andam mais prestando atenção e dedicando seus valiosos recursos nos efeitos visuais do que nos próprios roteiros de suas mega produções. Mal Siskel sabia que em 2023 isso seria elevado a novas potências com o advento do CGI feito por inteligência artificial ou até mesmo pela nova fixação dos estúdios em até escrever roteiros com o tal do Chat GPT. As histórias ficaram para o segundo plano, tal como previu Gene.
Tudo isso é embalado pelo atual momento em que cada vez os estúdios buscam mais e mais IP’s (propriedades intelectuais) para desenvolver seu planejamento anual de lucros. Já foi-se o tempo em que existia um bom movimento de financiamento de filmes autorais por parte de subsidiárias dos grandes estúdios (Sony Classic Pictures, Searchlight, Buena Vista), hoje esses sub-estúdios produzem cada vez em menor escala e na maioria das vezes jogam seus produtos diretamente para o streaming. Hoje em dia, o negócio em Hollywood é investir em marcas que já são consagradas. David Zaslav, o chefão da Warner Bros. Discovery, é o grande cataclisma dessa nova onda. Foi o primeiro que nos deu uma dica de onde tudo isso pode parar quando buscou desesperadamente um contato mais achegado da Warner com suas propriedades intelectuais já bem abalizadas na indústria como: o universo Harry Potter, os filmes de Senhor dos Anéis (chegando até mesmo a visitar Peter Jackson na Nova Zelândia) e firmando negócio para distribuir Barbie e associados da Mattel. Esses acordos evidenciam que Hollywood não quer apostar no novo, estão correndo longe de filmes arriscados. A Disney inclusive, está no mesmo caminho. Por que acham que cada ano temos mais iterações diversas dos live-actions tenebrosos originados dos famosos desenhos clássicos? Por que será que a Disney continua apostando na Marvel e (agora menos) em Star Wars mesmo com a fadiga que a bilheteria anda mostrando? Os estúdios estão famintos por marcas famosas que sejam de algum modo um chamariz de audiência.
Também já passamos do tempo em que os filmes de quadrinhos reinavam. A última cartada desse gênero, na minha humilde visão, foi a animação do Homem-Aranha pela Sony. O público cansou das histórias Marvel e DC (ou pelo menos da fórmula que elas empregam até hoje). E é com esse novo desespero por achar a nova fonte dos ovos de ouro que acabamos com filmes como “Air” a história do Air Jordan ou “Flamin’ Hot” a história do salgadinho Cheetos versão apimentada. A seara capitalista do mercado cinematográfico de produção em alta escala está em um estágio tão tardio que agora já passamos da fase dos super-heróis e chegamos na era dos super-infomerciais. Por mais incrível e bem humorado que o filme da Barbie for, por trás nós sabemos muito bem a intenção ultra-comercial de um filme assim. Não estou dizendo e nem incentivando qualquer tipo de boicote, longe de mim! Estarei na fila da pré-estreia para prestigiar o novo de Gerwig e Baumbach. Mas estou atestando a tamanha ociosidade e preguiça criativa na qual que se encontra o cinema comercial.
Recentemente, tiveram até que tirar o querido Harrison Ford de sua confortável poltrona do vovô para mais uma vez ter algum semblante de euforia artificializada com o mais novo lançamento da franquia Indiana Jones. Nem Spielberg comprou o desespero do estúdio e pulou da carroça o quanto antes. Muito bem assessorado. O filme é tão vazio e literalmente artificial (genérico até mesmo no Harrison Ford virtual que criaram) que seria uma catástrofe ter seu nome associado com isso. Em um roteiro que parece ter sido realmente criado por um robô simulando as aventuras de Indy, só o que se salva são os excelentes 20 minutos finais. Muito pouco para compensar sua ida ao cinema. Porém, é disso que estão sobrevivendo os estúdios. Eles precisam de marcas e títulos já muito bem conhecidos para conseguir tirar o público do conforto de sua casa e das plataformas de streaming. E claramente não estão conseguindo.
Não me levem a mal, filmes autorais e inovadores ainda estão sendo feitos e sendo financiados. Mas são muito raros. Em 2023 temos no calendário filmes de beneméritos como Scorsese, Sofia Coppola, Wes Anderson, Gerwig, Nolan e Fincher (sem levar em conta Ari Aster que começou agora). Dá pra contar nas mãos. O investimento alto nesse tipo de filme autoral foi resumido – e nisso eu incluo os que foram jogados para o streaming com orçamento baixo – e daqui pra frente só vai ficar pior. Faço questão de lembrar que realmente, há algum tempo falta um toque mais imaginativo para criar novas franquias e novas IP’s, mas o meu ponto é: será que hoje em dia teríamos o mesmo tipo de incentivo que a primeira produção de Matrix teve no final dos anos 90? Autores teriam esse tamanho poder ainda?
Na minha visão, o estado do cinema global é de uma acelerada deterioração. O que ainda nos salva são os diretores e roteiristas geniais que são forçados a trabalhar com esses tipos de propriedade para pagar as contas. Sem a adequação de profissionais maravilhosos como a própria Greta Gerwig dentro dos grandes estúdios a coisa seria ainda pior. Por mim tudo bem ela dirigir um filme de estúdio se logo depois o mesmo financiador decidir dar liberdade e orçamento para um filme totalmente original. Nesse caso é uma boa troca para a diretora e para nós. Mas se ano após ano tivermos um aumento nessa tendência de filmes inspirados em produtos, não tem nenhum diretor ou roteirista que será capaz de diluir a amargura de estar assistindo somente a mais um comercial da Polishop mascarado como entretenimento.