Crítica: Brawl in Cell Block 99 – Confronto no Pavilhão 99 (2017)
Quando S. Craig Zahler apresentou ao mundo o faroeste Bone Tomahawk (2015) rapidamente despertou a atenção, principalmente pelo dinamismo dos diálogos e violência gráfica trabalhada de forma orgânica, ainda que extrema. O fato é que surgia uma grande promessa, pois era nítido o excelente trabalho com atores, além dos pontos citados anteriormente.
Em “Brawl in Cell Block 99” (2017) o jovem diretor mostra o seu talento novamente, se consagra como um grande nome e passa a despertar ainda mais expectativas em relação ao seu futuro. O filme prima pelas atuações como forma de conexão rápida entre os personagens e as situações ou lugares percorridos por eles. A discussão moral aqui é tão interessante quanto as cenas de ação, inclusive esse é justamente o ponto que faz esse longa agradar os interessados no gênero, mas não esquece em nenhum momento do drama profundamente filosófico, onde o estudo de personagem impera.
A introspecção leva o espectador a uma esfera repleta de sossego, ao passo que abruptamente somos rasgados com a deliciosa máquina da realidade. O personagem outrora inquebrável é o primeiro a desmoronar, ainda que o faça com uma classe assustadora. Nesse sentido, Vince Vaughn apresenta até então a melhor performance masculina do ano ao compor um personagem em constante ciência do redor, estritamente equilibrado e que ama imensamente sua família, tanto que vai do tranquilo ao psicótico em questão de segundos. O protagonista é violado pelas suas próprias decisões e permanece prisioneiro do amor, ainda que sua leve e útil prepotência faça com que ele rejeite a condição de “perdedor”, por isso nunca há desespero, nem mesmo diante da possibilidade de morte.
Assistir Brawl in Cell Block 99 (2017) é como adentrar no inferno, a violência gráfica – expositiva em diversos momentos, o que contrasta com a realidade chocante desenvolvida até então – não é nada se comparada com a fúria do roteiro, que vai transgredindo os conceitos “família”, “união” e “proteção”. Por consequência os personagens são conduzidos (obrigados) à enfrentarem a mais ordinária existência. A prisão que é mostrada através de camadas, que inclusive condizem diretamente com as atitudes de seus detentos, simboliza o psicológico do Bradley Thomas (Vince Vaughn) que alcança o seu máximo de degradação com os cacos de vidros da sua cela, representando o seu coração despedaçado pela distância e o passar dos dias, além da desesperança ao saber que não recepcionará sua filha na sua chegada ao mundo. Retrocedendo ao máximo, o filme é humano ao dispensar a violência e escolhas erradas em prol da relação de amor entre um pai e filha.
Sobre essa relação, é válido apontar duas cenas que dialogam entre si: a primeira é quando Bradley acorda com os pontapés da filha na barriga de sua esposa, ele fica tão entusiasmado que grita e, percebendo que ela continua dormindo, conversa particularmente com a filha. No final do filme acontece a mesma coisa, através do celular.
A tatuagem de uma cruz atrás da cabeça do protagonista tem valor extremamente importante na trama, não à toa é a primeira coisa exibida no começo. O personagem caminhando, em um dia péssimo, sua cruz é como uma fuga do convencional, tornando nobre um homem de figura rude. A benevolência do perdão está presente desde o princípio e a moralidade é outro tema trabalhado. Bradley reconhece que o caminho que passa a seguir após a sua demissão é perigosa, visivelmente abdicou da normalidade no momento que aceitou essa condição. Mas o real interesse passa a ser no homem de classe e disposto à enfrentar consequências de suas escolhas, tendo que se adaptar às regras do sistema que ele próprio inocentemente imaginava ignorar. Na primeira vez que Bradley Thomas briga com um policial, afim de mudar de prisão e realizar sua missão, um outro pisa em sua cabeça, exatamente na cruz. A fé passa a ser no homem e sua versão selvagem de sobrevivência e proteção, a violência é a tradução de um amor tão grande que transcende a ética.