Crítica: Inferno (1960)
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Crítica: Inferno (1960)

“Jigoku”, ou “Inferno” (1960), tem sido referenciado por diversos pesquisadores desde a época do seu lançamento e apontado como um dos maiores representantes do gênero terror no cinema japonês. Mais do isso, esse clássico representa bem as transformações que aconteciam no cinema nipônico desde o surgimento do Noberu Bagu que trouxe os jovens, a realidade e simplicidade à cinematografia clássica e tradicional que vinha sendo desenvolvida até então. A representatividade parte da inteligência do diretor e roteirista Nobuo Nakagawa em retroceder a temática inspirada pela literatura (inferno literal) no processo de reflexão do homem inerte no sentimento de culpa (inferno metafórico), o protagonista é envolto de imoralidade e, por isso, passa a se sentir sórdido, como se uma força etérea o julgasse constantemente. Essa força mística poderia muito bem ser traduzida no espectador que, alheio a esse sentimento tortuoso, acompanha a jornada de equívocos e dilemas, monitorando as consequências e acrescentando as suas próprias percepções sobre o erro através de uma história repleta de erros.

Talvez o extremismo de valores deixe a obra mais parcial do que deveria, desprendendo-se assim da condição unicamente pura e metafórica, aquela que caminha de encontro com a dúvida sobre o que, de fato, é o “pecado”. Pelo contrário, nesse filme todas as ações que transformam o homem em um ser maldoso são extremamente expositivas, isso pode afastar alguns que desacreditam em dogmas.

O filme é claramente dividido em duas partes, a primeira e mais longa acompanha a vida de dois jovens que atropelam um homem e começam a sofrer diversas situações extremamente estranhas e que envolvem diretamente a morte. Todo o desespero diante às situações são simbólicas, são frutos da concepção de imoralidade.

Existe uma intenção profunda de se analisar o estado psicológico do protagonista em base ao ocorrido, captando nuances e separando estágios da culpa agindo na sua vida e decisões, por isso é muito importante os pensamentos em off pois cria intimidade, quem assiste passa a ser a única fuga do personagem para desabafar e, com isso, a sensação é de cumplicidade.

O visual está sempre muito coerente com o dilema moral, cenas como quando ocorre um planejamento de assassinato e as duas pessoas envolvidas ficam posicionadas em frente a luz ou um momento de acidente quando a ponte é filmada ao contrário por duas vezes, são a prova disso. O planejamento da morte se desenvolve diante da luz, a ideia de onipresença e perseguição moral; já a ponte, simbolizando caminho, se desequilibra e perverte a vida.

Lançado em meados da década de sessenta, é instigante imaginar o quanto essa obra perturbou a sociedade japonesa na época, o valor histórico e filosófico se encontra não apenas no certo e errado, mas também em como emprega as crenças e o medo da vida eterna, o moralismo funciona como uma forma de salientar que viver sob dogmas também é uma forma de pertencer a um inferno físico e palpável, onde o discernimento do bem e mal causa repulsa por sermos errantes e impuros.

O inferno mostrado no terceiro ato, inspirado pelo Dante Alighieri, é literalmente uma provocação carnal, onde vidas sofrem pela eternidade sem ao menos ter consciência do que significa sofrer, tampouco, o eterno. Visualmente impecável, efeitos especiais práticos e inteligentes para causar desconforto, a ciclicidade das torturas só demonstra com maior exatidão o óbvio: a metáfora diz respeito à projeção infernal que o subconsciente faz com o indivíduo, transformando-o em refém de suas próprias crenças.

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