Crítica: Ainda Estou Vivo - Cine PE 2021 - Cinem(ação)
Ainda Estou Vivo - Cine PE 2021
Cine PE

Crítica: Ainda Estou Vivo – Cine PE 2021

Ainda Estou Vivo – Cine PE 2021

Sinopse: Em Rondônia, detentos participam de uma iniciativa radical de ressocialização. De dia, longe das celas, num espaço amplo e convidativo, eles frequentam terapias alternativas como meditação, reiki e constelação familiar. Através das terapias, encaram seu passado, seus familiares, fantasmas e vítimas, numa busca angustiada por reconciliação. Mas à noite e nos fins de semana, retornam ao cotidiano tóxico da penitenciária. Enquanto aguardam a construção de um novo espaço terapêutico, capaz de acomodá-los em tempo integral, mais um presídio de segurança máxima é inaugurado, ameaçando a permanência de alguns integrantes no projeto.
Direção: André Bomfim
Roteiro: André Bomfim e Larissa Kurata
Produção: Bia Almeida, Carmem Maia e Gustavo Rosa de Moura
Direção de Fotografia: Francisco Orlandi Neto
Montagem: Bruna Carvalho Almeida
Trilha Sonora: Guilherme Shinji (Som Direto)
Edição de Som: Daniel Turini, Fernando Henna e Henrique Chiurciu
Elenco: Alzimar Dantas Coelho, Elisabel Pappis Orso, Ivan Alves Dias, José Rodrigues Tejo, Marciano Alves da Silva, Marco Antônio Chaves da Silva, Maria Hercília Junqueira, Rogério Souza Araújo, Thiago Kincas de Souza

.

Em coletiva realizada no Hotel Nobile Suites Executive, no Cine PE 2021, o cineasta André Bomfim, diretor deste documentário Ainda Estou Vivo, falou sobre as grandes influências ao seu filme, citando uma influência direta de Eugenio Puppo e filmes do documentarista como “Sem Pena” (2014), filme que investigava o a vida da população carcerário do Brasil. O cineasta partia para um âmbito além do que se imprimia na tela – mas que era sentido por causa da eficácia da produção e o efeito imprimido no espectador: era necessário que os detentos possuíssem rostos, e não se tornassem apenas corpos sem face que representam uma parcela da população encarcerada.

Desta forma, algo notável a primeiro momento em Ainda Estou Vivo é como o cineasta e seu diretor de fotografia Francisco Orlandi Neto utilizam planos detalhes, enquanto os presidiários no qual o filme acompanha realizam tarefas consideradas banais. Closes nos rostos marcados (por cicatrizes de feridas ou tatuagens), focos em mãos que lavam pratos ou cozinham. Um desses planos revela uma tatuagem desgastada de uma suástica na mão de um detento. Na relação do registro dos corpos em cena com a escolha dos planos detalhes, temos uma espécie de tentativa de montar essas partes disformes, como se através do cotidiano, da trivialidade dessas ações, o filme nos desafiasse a ver esses corpos como pessoas completas, para então poder seguir adiante na exploração mais aberta da vivência dos detentos que acompanhará durante a projeção.

Uma dessas explorações é a do método terapêutico da constelação familiar, onde os detentos, com acompanhamento psicológico, recriam e encenam situações que envolvem dinâmicas familiares que dialogam de alguma forma com seu encarceramento. A abordagem observacional de Bomfim não procura fazer algum tipo de questionamento ou julgamento em relação ao método polêmico, e nesse mote do registro de olhares e expressões, é como se o julgamento fosse reservado para nós mesmos. Nunca sabemos exatamente qual delito foi cometido pelos detentos que acompanhamos. Assim, é um filme focado mais nas tentativas de “reabilitação”, do que nos motivos pelos quais aquelas pessoas estão ali. Desta forma, existe uma espécie de reabilitação promovida pelo próprio filme. Esses criminosos estão, intra e extra-filme, num processo de voltarem a serem pessoas completas. A falta de um posicionamento mais incisivo por parte do filme em relação aos temas que aborda pode ser incômodo para alguns, mas Bomfim, mais de uma vez – com as sessões desajeitadas e incômodas de terapia ou em visitas de familiares aos detentos, passando pelo discurso esclarecido de um dos presidiários sobre a política de realocação de prisioneiros – deixa a proposta de seu documentário transparecer no registro dos corpos: para que possamos ter uma discussão sobre reabilitação, terapias pseudocientíficas, reduções penais e tantas outras questões complexas sobre a população carcerária – precisamos encará-las em primeiro lugar como pessoas, o que pode ser incômodo. E não é esse também o objetivo de um bom documentário?

  • Nota
4

Deixe seu comentário