Crítica: Falsa Loura
Falsa Loura foi o último filme dirigido por Carlos Reichenbach (2007), e pode ser utilizado como uma síntese de seu trabalho como cineasta. O filme retrata a periferia paulista e a classe operária de maneira direta e crua como poucos diretores conseguem fazer.
O filme conta a vida de Silmara (Rosanne Mulholland), uma operária simples e batalhadora, cujo pai vive enclausurado em casa, mas que passa uma imagem diferente a muitos devido ao seu temperamento explosivo e sua arrogância por ser uma mulher bonita.
Logo no começo, há uma citação de Sócrates a respeito da relação próxima entre o prazer e a dor. A partir de então, o longa vai convidar o espectador a se aproximar de Silmara em seu cotidiano, aprofundando-se em sua complexidade.
Por meio das citações e dos momentos poéticos que separam os “capítulos”, o filme vai dando pistas do que vai acontecer a seguir: afinal, o ser “acaba se tornando aquilo que admira”, conforme diz a TV em determinado momento.
Reichenbach consegue construir momentos intensos e opostos ao longo da projeção. Se a relação de Silmara com Bruno (Cauã Reymond) é mostrada como romântica e sem cenas de sexo, para depois mostrá-lo como um homem bruto, a relação desta com Luís Ronaldo (Maurício Mattar) é mostrada com muito mais intensidade, para causar o impacto desejado em sua decepção posterior. O mesmo pode se dizer na apresentação de cada um dos personagens masculinos: enquanto que o encontro com Bruno é mostrado em longas tomadas com poucos cortes, a primeira real aparição de Luís Ronaldo é mostrada em um brusco corte, como se a brevidade da tomada de câmera fosse reflexo do tempo de relacionamento, mas inversamente proporcional à intensidade.
Embora tenha algumas atuações medianas – seu principal ponto fraco – o filme consegue criar até mesmo personagens secundários interessantes sem nunca se render a seres simples ou unidimensionais. São personas que resultariam até mesmo em filmes próprios, como a “gata borralheira” Briducha, o ex-presidiário Antero (pai de Silmara), e o irmão travesti da protagonista. Se dissecarmos cada um deles, todos tem defeitos, qualidades, fantasias, desejos e paradoxos.
O filme consegue retratar figuras urbanas típicas do Brasil com realismo, mas ao mesmo tempo sem a necessidade de chocar ou causar incômodo nos espectadores mais conservadores. Justamente por fugir do realismo, em seus minutos finais, que ele causa estranheza e peca por exagerar em um melodrama destoante do resto – muito embora o acontecimento seja importante para causar a mudança final na trajetória da falsa loura.
No fim das contas, “Falsa Loura” é um excelente retrato do Brasil: um país paradoxal, cheio de dores e prazeres, que se intercalam como causa e consequência da busca por uma vida melhor.
Nota: 04 Claquetes